Share

Em Medical Concepts por Rob Woods, 04 de Agosto, 2014

Na escola de medicina, muitas das questões de múltipla escolha no contexto de um paciente agudo têm como uma opção “administrar os ABC’s” e esta é sempre a alternativa correta. Infelizmente, dizer “eu administraria os ABCs como minha primeira prioridade” é muito diferente de realmente saber como avaliar uma via aérea, quanto mais gerenciar anormalidades durante uma ressuscitação no trauma. Se você pensa que isso vai ser uma postagem de blog de vias aéreas malucas, pense novamente. Este não é um tópico atraente sobre intervenções legais e de ponta nas vias aéreas… É um tópico pão com manteiga do “BoringEM” que merece atenção. Continue lendo para uma abordagem da avaliação básica das vias aéreas.

Equívocos sobre o “A” do ABC O maior mal-entendido está no entorno do A do ABC: Vias aéreas. Na sala de trauma eu regularmente escuto a afirmação “Eles estão conversando, portanto as vias aéreas estão pérvias”. Isso é impreciso. A perviedade é nossa principal preocupação na avaliação das vias aéreas, mas o paciente que pode falar não necessariamente tem uma via aérea PÉRVIA. Pense em um paciente com um edema grave das vias aéreas devido a uma fratura da laringe, ou um paciente com dano inalatório. Eles podem conversar, mas as vias aéreas podem estar fechando mesmo assim. A capacidade de falar geralmente implica uma via aérea PROTEGIDA, não uma via aérea pérvia. A falta de proteção das vias aéreas é um assunto menos urgente do que a perviedade. A PERVIEDADE é avaliada através da presença/ausência de sintomas obstrutivos (estridor, secreções, ronco, etc), ou achados que indicam uma via aérea que pode se tornar obstruída (pêlos nasais/faciais chamuscados, escarro carbonáceo, facada no pescoço com risco de expansão do hematoma).

Manejando a via aérea A próxima questão é que as indicações para o manejo de via aérea definitiva envolvem as vias aéreas e a respiração, porque a via aérea estar pérvia e protegida não significa que o paciente não precisará ser intubado. Em geral, as indicações para intubação são (Walls et al., 2012): 1)    Falha na oxigenação2)    Falha na ventilação3)    Falha em manter a perviedade das vias aéreas4)    Antecipação do curso clínico: indo para exame de imagem ou centro cirúrgico (vias aéreas ou respiração) 1 e 2 referem-se a problemas respiratórios, 3 refere-se à permeabilidade das vias aéreas e 4 refere-se à proteção das vias aéreas.

Pense antes de agir: avalie as vias aéreas quanto à dificuldade de possíveis intervenções

 A partir daqui, há confusão sobre avaliação das vias aéreas para PATOLOGIAS (problemas de perviedade e proteção) versus INTERVENÇÕES como: ventilação com Bolsa-Válvula Máscara (BONES ou BOOTS), laringoscopia e intubação endotraquel difícies (LEMON), dificuldade no uso de Máscara Laríngea (RODS) e via aérea cirúrgica difícil (SHORT)

Decidir que algo está errado com as vias aéreas DEVE ser a parte mais fácil, e intervenções simples lidarão com o problema mais imediato de obstrução das vias aéreas. (Essas intervenções simples são: sucção, tração da mandíbula, uso de cânula orofaríngea, O2 suplementar).

Decidir se uma intervenção definitiva (ou seja, intubação) é necessária e como fazer isso exige muito mais experiência e treinamento. A tabela abaixo contém mnemônicos para avaliar um paciente quanto à intubação, ventilação bolsa-válvula-máscara, inserção de ML e cricotireoidotomia.

Mnemônicos das vias aéreas modificados a partir do STARSᵀᴹ Manual & Walls et al. (4ª edição).

Dificuldade de Intubação Endotraqueal Ventilação Bolsa-Valva-Máscara Difícil
  Look externally (olhe externamente)
E   Evaluate 3-3-2 (avalie 3-3-2)
M  Mallampati*
O  Obstruction/Obesity (obstrução/obesidade)
Neck Mobility** (mobilidade do pescoço)
B Beard (barba)
O Obstructed/Obese/OSA
N Neck Stiffness / Neck Mass ( rigidez de nuca/massa cervical)
E Expecting (Pregnant) (gravidez)
S Stridor / Snores (OSA)** (roncos, estridores)
Inserção de Máscara Laríngea Difícil Cricotireoidotomia Difícil
R  Restricted Mouth Opening (abertura da boca restrita)
O  Obstruction
D  Distorted airway anatomy (distorção da anatomia)
S  Stiff Lungs / Neck (pulmão ou pescoço rígidos)
S  Surgery (cirurgia)
H  Hematoma, Have Infection (Abscess)
O  Obesity
Radiation (radiação)
T  Trauma, Tumor (trauma ou tumor)

* isso é de uso limitado em intubações não eletivas (por exemplo, trauma)

** tecnicamente, pode adicionar um “S” extra por trás de todas essas mnemônicas, uma vez que os pulmões rígidos sempre tornam mais difícil qualquer estratégia de ventilação com pressão positiva.

Uma abordagem sugerida para a avaliação básica das vias aéreas

 Minha abordagem de avaliação de vias aéreas para PATOLOGIAS é avaliar os “S” em três etapas:

 Os S’s da Patologia das Vias Aéreas

Etapa 1: Existe evidência de OBSTRUÇÃO das vias aéreas agora – é completa ou parcial?

 Obstrução completa:

Silêncio sem elevação do peito ou
Movimento do peito “See-Saw” (gangorra) (peito para baixo, abdômen para cima com tentativa de respiração – resultante de excursão diafragmática com a glote fechada / obstrução pela língua)

* A obstrução completa das vias aéreas precisa de intervenção imediata – a parada cardíaca é provável dentro de segundos a minutos após a obstrução completa das vias aéreas

 Obstrução Parcial:

Stridor (estridor) – edema/compressão das vias aéreas por hematoma

Secreção- saliva, sangue

Snoring (ronco) – relaxamento da língua

Smash- risco de dentes/sangue nas vias aéreas

Intervenções

SIMPLES= tração da mandíbula, sucção, cânula orofaríngea, oxigênio suplementar, ventilação com Bolsa-Valva-Máscara.

AVANÇADA= manejo de via aérea definitiva

Etapa 2: Existe um risco de obstrução ANTECIPADA das vias aéreas?

Singe or Sputum (chamuscamento ou escarro carbonáceo)- risco de edema tardio de vias aéreas devido a queimaduras por inalação

Stab or Swelling neck (facada ou edema do pescoço)- risco de compressão tardia das vias aéreas devido à expansão do hematoma ou massa do pescoço

Intervenções

Reavaliação frequente, intervenção precoce (se hábil), consulta precoce com especialistas

Etapa 3: Existe risco de aspiração por falha na PROTEÇÃO de suas vias aéreas?

Sonolento (escore baixo na escala de coma de Glasgow (ECG))

Intervenções

Manejo definitivo das vias aéreas se a diminuição do nível de consciência (reflexo do vômito prejudicado) for prolongada, o quadro não for facilmente reversível, o paciente estiver se deteriorando ou se a intubação facilitará investigações adicionais (por exemplo, tomografia computadorizada)

O nível de consciência sempre pode mudar e, juntamente com ele, a capacidade de proteger as vias aéreas da aspiração, no entanto, a aspiração não é um evento imediato no momento em que seu ECG atinge 8 ou menos. ECG<8 não é uma indicação absoluta para intubação. Muitos pacientes intoxicados e em estado pós-ictal vivem com uma ECG 5 ou 6 e despertam algumas horas depois. Eles comumente não aspiram e podem ser gerenciados sem proteção definitiva das vias aéreas.Por outro lado, o paciente de trauma com traumatismo craniano com uma apresentação de 12 na ECG e que agora está em 10 provavelmente necessita de um manejo de via aérea definitiva.

Conclusão

Sempre avalie os S’s das vias aéreas. Se tudo estiver normal, você pode ter certeza de que NÃO está lidando com um problema imediato ou iminente de perviedade ou proteção das vias aéreas. Se houver anormalidades nos S’s, intervenções simples nas vias aéreas estabilizam a situação até que profissionais mais experientes possam ajudar com intervenções definitivas nas vias aéreas. A tabela abaixo resume as 3 etapas e os 9 S’s. Essa abordagem é ilutrada nos 3 casos abaixo.

Etapa 1: Há evidência de obstrução das vias aéreas agora? Etapa 2: Há um risco de obstrução antecipada das vias aéreas? Etapa 3: Existe risco de aspiração por falha na proteção de suas vias aéreas?
       Sinais e sintomas Obstrução Completa:

Silêncio sem elevação do peito ou

Movimento do peito “See-Saw” (gangorra) (peito para baixo, abdômen com tentativa de respiração – resultante de excursão diafragmática com a glote fechada / obstrução pela língua)

Obstrução Parcial:

Stridor (estridor)- edema/compressão das vias aéreas por hematoma

Secreção- saliva, sangue

Snoring (ronco)- relaxamento da língua

Smash- risco de dentes/sangue nas vias aéreas

Singe or Sputum (chamuscamento ou escarro carbonáceo)- risco de edema tardio de vias aéreas devido a queimaduras por inalação

Stab or Swelling neck (ferida penetrante ou edema do pescoço)- risco de compressão tardia das vias aéreas devido à expansão do hematoma ou massa do pescoço

Sonolento (nível baixo na Escala de Coma de Glasgow)

Casos

 Caso 1

Homem, 44 anos, agredido na cabeça/face com taco de beisebol. Trazido por serviço de emergência em posição sentada com precauções de coluna cervical, sinais vitais normais, ECG 15.

 Avaliação das vias aéreas para patologias

Deformidade nasal com sangramento na faringe, dificuldade de abrir a boca/ dor no maxilar, cuspindo sangue continuamente. Nenhum trauma no pescoço, sem estridor, sem pelos chamuscados ou escarro carbonáceo, sem respiração em gangorra (“see-saw”).

P:O que está acontecendo com as vias aéreas desse paciente? O que você deve fazer imediatamente?

R: Obstrução parcial das vias aéreas devido ao sangue. Paciente consciente e com as vias aéreas protegidas. Gerencie esta via aérea com sucção +/- O2 suplementar e posicionamento com cabeceira elevada.

Avaliação das vias aéreas para intervenção

Histórico de apneia do sono, obeso, com barba, incapaz de abrir a boca (provavelmente por fratura na mandíbula) e sem mobilidade do pescoço (colar cervical)

P: Como você deve proceder?

R: Essa pessoa tem previstas ventilação BVM, laringoscopia, uso de máscara laríngea e via aérea cirúrgica difíceis! Se você precisar intervir em uma queda da ECG ou redução da perviedade você precisará de um especialista em vias aéreas adicional para manejar de forma definitiva essa via aérea com segurança.

Caso 2

Mulher, 36 anos, capotamento de veículo único na estrada, trazida com precauções de coluna cervical. ECG inicial de 15/15 segundo serviço de emergência, sem sinais externos de lesão/traumatismo craniano, queixando de dor abdominal. Sinais vitais iniciais: FC 115, PA 92/68, saturação de O2 normal. Na chegada ao hospital, ECG agora de 11, FC 130, PA 68/40 com distensão abdominal (não grávida).

Avaliação das vias aéreas para patologias

Roncos respiratórios. Sem secreções, sem estridor, sem respiração em gangorra (“see-saw”), sem chamuscados e sem ferida penetrante/edema no pescoço.

P:O que está acontecendo com as vias aéreas desse paciente? O que você deve fazer imediatamente?

R: Essa paciente apresenta obstrução parcial pela língua devido a diminuição do nível de consciência e deve ser tratada com tração mandibular/cânula orofaríngea/O2 suplementar. Além disso, ela pode ter uma falha na proteção das vias aéreas devido a uma diminuição na ECG secundária ao choque hipovolêmico. Sua capacidade de proteger as vias aéreas deve se corrigir com transfusão sanguínea.

Avaliação das vias aéreas para intervenção

Essa paciente não possui preditores de difícil intervenção nas vias aéreas, exceto pelo colar cervical.

P: Como você deve proceder?

R: Não faça nada… Fique aí! A intubação apresenta um risco significativo de hipotensão, tanto pelos medicamentos administrados quanto pelo efeito da ventilação com pressão positiva na pré-carga. Você NÃO deseja intubar esse paciente até que a pressão arterial melhore, ou você pode acabar tendo que manejar uma parada cardiorespiratória. Se a PA dela melhorar, é provável que o nível de consciência também melhore, então você provavelmente não precisará intubar.

Caso 3

Homem, 14 anos, virou seu quadriciclo com este aterrissando sobre sua cabeça, trazido com precauções de coluna cervical. O serviço de emergência relatou que o capacete se partiu em dois. ECG 12 (O4 V3 M3) com drenagem de sangue de ambos os ouvidos. Nenhum trauma visível no peito / abdômen ou extremidades. FC 55, PA 177/94, saturação de O2 normal.

Avaliação das vias aéreas para patologias

ECG baixa e em declínio. Sem respiração em gangorra (“see-saw”), sem roncos, sem secreções, sem estridor, sem esmagamento, sem ferida penetrante e sem chamuscados.

P:O que está acontecendo com as vias aéreas desse paciente? O que você deve fazer imediatamente?

R: Esse paciente corre o risco de ter falhas na proteção das vias aéreas e apresenta sinais óbvios de fratura do crânio, para os quais precisará de uma tomografia computadorizada. Embora a ECG seja superior a 8, ele está se deteriorando. Além disso, o aspecto mais preditivo da ECG é o escore motor. Como esse paciente está demonstrando postura flexora e resposta precoce de Cushing (hipertensão / bradicardia), há uma alta probabilidade de lesão intra craniana. Esse paciente provavelmente precisará ser intubado.

Avaliação das vias aéreas para intervenção

Esse paciente não possui preditores de difícil intervenção nas vias aéreas, exceto pelo colar cervical.

P: Como você deve proceder?

R: Você precisa ter controle definitivo das vias aéreas desse paciente. Hipoxemia e hipotensão contribuem para lesão cerebral secundária, portanto, durante o manejo dessas vias aéreas deve-se prestar muita atenção a esses problemas. Você deve usar a oxigenação apneica como parte da sua Intubação em Sequência Rápida para reduzir o risco de hipoxemia e escolher um agente sedativo que mantenha a pressão sanguínea.

Caso 4

Mulher, 56 anos, presa em incêndio doméstico, sem ferimentos traumáticos. Apresentando chiado e dispneia na cena uma vez retirada para o hospital, tratados com nebulizador de Salbutamol a caminho do hospital pelo serviço de  emergência. Chiado e dispneia resolvidos na chegada. Sinais vitais normais, ECG 15.

Avaliação das vias aéreas para patologias

Fuligem negra no fundo da garganta, sobrancelhas chamuscadas. Sem estridor, sem secreções, sem roncos, sem respirações em gangorra (“see-saw”), sem ferida penetrante.

P:O que está acontecendo com as vias aéreas desse paciente? O que você deve fazer imediatamente?

R: Há uma perda iminente de perviedade das vias aéreas devido ao edema. Considere a intubação precoce das vias aéreas antes que o edema torne difícil ou impossível a passagem de um tubo endotraqueal.

Avaliação das vias aéreas para intervenção

Sem preditores de difícil intervenção nas vias aéreas

P: Como você deve proceder?

R: Manejo definitivo precoce das vias aéreas sob o prognóstico da perda iminente das vias aéreas. É impossível saber se ela vai edemaciar as suas vias aéreas ou não, mas se o fizer, pode ser fatal. O manejo precoce é a abordagem usual se houver suspeita razoável de queimadura por inalação, embora às vezes seja uma intervenção desnecessária.

Original: https://canadiem.org/basic-airway-assessment-easy-1-2-3/

Tradução: Ana Maria Mendes Ferreira
Revisão: Arthur Martins