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Caso Clínico:

Você está trabalhando como regulador pediátrico durante a noite em um centro regional quando é informado por telefone sobre um paciente que será recebido – Josef, 8 anos –, o qual se encontra no ciclo de intensificação tardia de seu tratamento para Leucemia Linfocítica Aguda (LLA) e apresentando febre de 38,6ºC. A última quimioterapia de Josef foi na semana passada e um leucograma realizado há 2 dias demonstrou 4.0×109 leucócitos/litro com uma contagem absoluta de neutrófilos de 0.9 x109/litro.

Ponto de Partida:

·Febre em um cenário de neutropenia pode ser o único indicio de uma infecção severa e potencialmente fatal.

·Neutropenia Febril é uma emergência oncológica.

·Uma história e um exame completo é essencial nos casos de neutropenia febril.

·Encontre e siga o protocolo da sua instituição, bem como discuta com um preceptor precocemente.

·Isole a criança para diminuir o risco de uma infecção adicional.

Por que a febre é perigosa em um paciente oncológico?

Neutropenia febril pode ser a única característica de uma infecção potencialmente fatal, sendo uma das principais causas de morbidade e mortalidade em pacientes oncológicos pediátricos. Um estudo de 2005, realizado com mais de 12.000 crianças demonstrou taxas de mortalidade maiores que 3%. Aproximadamente 1 em 5 crianças apresentará evidências microbiológicas de infecção durante a indução quimioterápica e esse número sobe para aproximadamente 40% nos casos de recidiva da febre após a suspensão da antibioticoterapia.

Você encaminha Josef para a sala de ressuscitação com procedimentos de isolamento (e citotóxico) no local.  Ele se encontra febril (38.6ºC), pouco taquicárdico mas normotenso. Você não identifica nenhum risco imediato de vida após descartar possível quadro de choque, sepse irreversível ou comprometimento respiratório. Você realiza uma história e exame completo em Josef.


Qual o critério para o diagnóstico de neutropenia febril?

  • Febre de qualquer temperatura > 38.5ºC, OU febre de >38,0ºC por uma hora
  • Neutropenia com uma contagem absoluta de neutrófilos <0.5×109/l, OU <1×109/l com indicação de declínio para menos de 0.5×109/l dentro de 48 horas.

Quais são as características especificas da história?

Qual o diagnóstico oncológico da criança e em qual etapa do tratamento ela se encontra? Diferentes agentes quimioterápicos apresentam efeitos mieloablativos relativamente mais fortes, levando a casos de neutropenia de forma mais previsível e fulminante. Como o agente quimioterápico utilizado varia conforme o diagnóstico e o ciclo, é importante esclarecer quais medicações foram aplicadas e o tempo decorrido desde a última quimioterapia.

Há profilaxia antifúngica e pneumocística adequada? Pense em pneumonia por Pneumocystis em qualquer criança em tratamento oncológico que se apresente com dificuldades respiratórias.

Qual o tipo de acesso venoso central foi mais ou menos utilizado pela última vez? Acesso venoso central é uma espada de dois gumes – um acesso essencial para quimio que permite a diminuição das punções venosas periféricas, mas, por outro lado, é a fonte mais comum de infecção bacteriana em crianças que realizam sessões de quimioterapia.

Houve contato prévio com alguém doente? Lembre-se, a presença de um diagnóstico oncológico não significa que a criança não possa pegar doenças próprias da idade, como gastroenterites, infecções do trato respiratório superior, entre outras. Claro, os sintomas serão mais graves em um contexto de imunossupressão, mas é importante pensar nesses diagnósticos diferenciais.

Quais são as principais características do exame?

  • Pesquise por sinais de desidratação, sepse e anemia.
  • Examine o local onde está o cateter venoso central (CVC). Um bom momento para avaliar é durante a coleta das culturas no cateter. Verifique a idade do curativo e anote qualquer eritema ou rachaduras neste.
  • Olhe por toda a extensão da pele.
  • Examine pensando no protocolo de febre sem foco na criança.
  • Dê uma boa olhada na cavidade oral.
  • Do mesmo modo, a área perianal é suscetível à fissuras de pele, com ou sem abscessos perianais.
  • Analise criteriosamente qualquer área de eritema. 

Por que o eritema na pele é de particular importância?

Importante considerar a fisiopatologia do eritema; mediadores inflamatórios locais (IL-1, IL-6, TNF alfa) sinalizam aos neutrófilos para que realizem a marginalização, rolamento e se submetam a diapedese até a área de ação. Entretanto, na ausência de uma resposta completa dos neutrófilos, qualquer eritema localizado provavelmente se encontrará reduzido e o pus não será formado do volume usual.

Assim, a menor área de eritema deve ser considerada como um possível fonte de infecção, em especial próximo aos locais de inserção do cateter ou feridas cirúrgicas.

Quais investigações são indicadas?

  • Leucograma – o paciente está realmente neutropênico?
  • Hemocultura (cateter venoso central ou periférico)
  • Ureia e eletrólitos, tais como cálcio, magnésio, fosfato – avaliação de desidratação, disfunção renal, síndrome da lise tumoral)
  • Testes de função hepática – pesquisa de disfunções hepáticas secundárias aos agentes quimioterápicos
  • Exame qualitativo de urina
  • Raio X de tórax – se alteração do padrão respiratório, diminuição da saturação de oxigênio
  • Aspirado nasofaríngeo, em caso de rinorreia (confirmar se as plaquetas se encontram >50×109/l antes de realizar o exame)
  • Considerar perfil de coagulação
  • Focar a investigação conforme história e exame físico
  • Amostras de fezes se diarreia com toxina do difficile, se antibióticos recente. 
Acesso IV é obtido por meio do CVC, por um membro experiente da equipe; sangue é coletado e enviado para realização de leucograma, hemocultura, ureia e eletrólitos, bem como provas de função hepática, avaliação dos níveis de Ca, Mg, PO4 e coagulograma.

Qual é o tratamento?

A maioria dos hospitais apresenta protocolos bem estabelecidos para o tratamento de neutropenia febril. Esteja ciente de onde encontrar os da sua instituição e qual antibiótico escolher.

Inicie a antibioticoterapia imediatamente; isso pode salvar vidas. Este não é momento para postergar o tratamento, visando o resultado das investigações, já que os antibióticos são o tratamento, independentemente de quaisquer resultados preliminares.

Alguns protocolos recomendam o uso de antifúngicos em associação aos antibióticos. Contudo, esses protocolos variam conforme os centros e ao longo do tempo, de acordo com mudanças dos padrões de resistência.

Lembre-se de discutir o paciente com o oncologista de plantão, pois essas crianças podem vir a necessitar de internação e, ocasionalmente, de transferência para um centro de oncologia terciário.

Antibióticos são a principal forma de tratamento para neutropenia febril. Miadema e seus colegas holandeses estão atualmente atualizando uma Revisão da Cochrane acerca da comparação entre o tratamento empírico intravenoso versus oral da neutropenia febril.

As Diretrizes de Terapêutica frequentemente recomendam:

Piperacilina + tazobactam 100+12.5mg/kg (Max 4+0.5g) IV 8/8 horas

ou cefepime 50mg/kg (Max 2g) IV 8/8 horas

ou ceftazidima 50mg/kg (Max 2g) IV 8/8 horas

Se existe suspeita de MRSA, infecção do CVC ou paciente hemodinamicamente instável, adicionar vancomicina. Gentamicina ou amicacina podem ser indicadas.

Tratar desidratação com fluidos apropriados.

Se a crianças apresentar náusea ou vômito administrar antieméticos.

Texto Original: Don’t Forget The Bubbles

Autor: Henry Goldstein

Traduzido por: Natália Führ

Revisado por: Raphael Sales

Referências:

Basu, K et al. Length of stay and mortality associated with febrile neutropenia among children with cancer. J Clin Oncol. 2005 Nov 1;23(31):7958-66.

RCH Melbourne CPG – Febrile Neutropenia 

Management of Fever in the Paediatric Oncology Patient v3.0 17102012 Febrile Neutropenia Protocol QPHON QCCC

Miadema et al. [Protocol] Empirical antibiotic therapy for febrile neutropenia in pediatric cancer patients. Cochrane Library.

Lehrnbecher, T. Guideline for the Management of Fever and Neutropenia in Children With Cancer and/or Undergoing Haematopoetic Stem-Cell Transplantation. JCO Dec 10, 2012, vol. 30, no 35 4427-4438

Afzal, S. et al. Risk Factors for Infection-Related Outcomes During Induction Therapy for Childhood Acute Lymphoblastic Leukemia, The Pediatric Infectious Disease Journal • Volume 28, Number 12, December 2009 pp 1064-68

Therapeutic Guidelines : Antibiotic. Severe Sepsis: empirical therapy (no obvious source of infection): febrile neutropenic patients. Therapeutic Guidelines Group. Revised June 2010. (etg40 July 2013)