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Resumo: A reanimação hídrica é uma aspecto crucial tanto na emergência, quanto nas unidades de terapia intensiva. Desde o advento do conceito de terapia precoce dirigida por metas, estamos colocando grande ênfase na ressuscitação volêmica agressiva com fluidos em pacientes com sepse severa ou choque séptico. Dos protocolos EGDT ao PROCESS/ARISE/PROMISE às diretrizes de sobrevivência à sepse (Surviving Sepsis Guidelines), estamos vendo uma mudança no modo como a ressuscitação com fluidos é monitorada, contudo, a ideia de uma ressuscitação agressiva se mantém como um ponto crucial no manejo hemodinâmico desses pacientes. Ainda, o estudo FENICE, realizado em 46 países, demonstrou uma “grande variabilidade na prática atual em relação ao teste com fluidos… e isso possivelmente reflita nas controvérsias das atuais diretrizes”. (Cecconi, 2015).

A partir do artigo de Marik, (Marik P. Fluid responsiveness and the six guiding principles of fluid resuscitation. Crit Care Med 2016; 44(10): 1920-2. PMID: 26571187) este texto traz uma análise dos problemas críticos relacionados à ressuscitação e à responsividade aos fluidos.

Capacidade de resposta aos fluidos: a base a ressuscitação com fluidos 

  • Em pacientes chocados, há uma hipoperfusão tecidual e uma diminuição do débito cardíaco.

o A administração de fluidos pode ser benéfica se produzir aumento do volume sistólico e, portanto, do débito cardíaco.

o Aumento do volume sistólico leva ao aumento do volume diastólico final e a elevação da pressão de enchimento média. Assim, há um aumento da pré carga, causando a expansão volêmica.

o O objetivo no choque é fazer com que os pacientes comportem-se de forma semelhante à demonstrada na curva ascendente de Frank Starling.

  • Quando a administração de fluidos não eleva o volume sistólico final, há a possibilidade de essa ser prejudicial.

o Excesso de administração de fluido pode provocar edema tecidual e, em último caso, hipóxia tecidual e disfunção de órgãos.

o Muitos pacientes sépticos apresentam histórico prévio de insuficiência cardíaca, sendo que em 54% dos casos ocorre disfunção diastólica e em 23% dos casos uma disfunção sistólica, que pode ser agravado se houver reposição de fluidos (Landersberg, 2012). A distensão excessiva causa o enfraquecimento do ventrículo esquerdo, levando ao edema pulmonar, a hipertensão pulmonar e a disfunção do ventrículo direito. De fato, disfunções diastólicas têm sido associadas a piores desfechos em relação às disfunções sistólicas.

o Portanto, é de suma importância o profissional questionar-se se coração do paciente responde a um aumento de volume adicional, o qual elevará o volume sistólico final. Se não for indicado, a reposição de fluidos não faz sentido.

  • A realização de um teste com as soluções é necessário para determinar se a administração de fluidos será benéfica ao paciente.

o O paciente é responsivo aos fluidos quando seu volume sistólico final eleva-se em 10% após a administração da solução o mais rápido possível (geralmente utiliza-se 500ml de cristalóides em um período de 10 minutos).

o Apenas os pacientes considerados responsivos aos fluidos devem receber uma quantidade adicional.

o Pacientes que apresentam função sistólica ou diastólica reduzidas (caracterizada pela curva descendente no gráfico de Frank Starling) não irão responder aos desafio hídrico, mesmo que o seu volume intravascular esteja reduzido.

Sinais Clínicos, Radiografias de Tórax, Pressão Venosa Central (PVC) e Ultrassonografia não podem ser utilizadas para determinar a resposta à administração de fluidos.

  • Os sinais clínicos podem indicar a hipoperfusão tecidual, mas não a resposta a administração de fluidos.
  • Indicadores clássicos, como a PVC e a pressão arterial média (PAM), não apresentam acurácia suficiente para serem utilizados como parâmetros.
  • Ultrassonografia é uma ferramenta que pode ser utilizada para avaliar o estado volumétrico e a resposta aos fluidos.

o Para avaliação do estado volumétrico, estudos têm sido feitos a partir da observação do calibre da veia cava inferior em pacientes ventilados, contudo, esse método ainda precisa ser validado em pacientes com respiração espontânea. Lee apresentou um algoritmo baseado em evidências disponíveis na literatura para guiar as decisões quanto a ressuscitação volêmica (Lee 2016).

o Para avaliação da resposta a administração de fluidos, foram utilizada as medidas transtorácicas da velocidade do débito cardíaco do ventrículo esquerdo para estimar o volume sistólico, entretanto, esta técnica requer uma considerável experiência e não pode ser facilmente ou rapidamente obtida.

  • Marik sugere métodos alternativos, como a variação da pressão de pulso medida por meio da inserção de uma linha arterial, a avaliação da velocidade do débito cardíaco do ventrículo esquerdo em tempo real através da ecografia, fluxo de doppler carotídeos por meio da ecografia transtorácica, análise de contorno de pulso, bioimpedância torácica, biorreatância, entre outros métodos podem ser indicadores melhores para a responsividade aos fluidos.

A manobra de elevação passiva das pernas ou teste com fluídos acoplado com monitoramento do volume sistólico é o único método acurado até o momento para determinar a capacidade de resposta aos fluidos.

  • A elevação passiva das pernas e o teste com fluídos são dois métodos de determinar a resposta a administração dos fluidos, especialmente quando utilizados associados a monitorização em tempo real do débito cardíaco.
  • Esta manobra causa uma mudança do sangue venoso dos membros inferiores para o tórax; esta movimentação é essencialmente uma auto aplicação de fluido.
  • Vantagens da elevação passiva das pernas

o Reversível

o Não invasivo

o O líquido mobilizado dentro do organismo é proporcional ao tamanho do corpo

o Pode ser utilizado independentemente do modo ventilatório e do ritmo cardíaco (Cavallaro 2010)

  • Desvantagens da elevação passiva das pernas

o A mudança de posição pode ser contraindicada

o Pouco útil nos pacientes com pressão intra-abdominal elevada

o É necessária a interrupção de outras intervenções durante a realização da manobra.

A resposta hemodinâmica a um teste com fluídos geralmente é pequena e curta

  • A resposta ao desafio hídrico é geralmente curta; em aproximadamente 30 minutos o índice cardíaco retorna a sua linha de base.
  • A elevação da pressão arterial média após uma reposição de fluido é mínima; soluções em bolus não devem ser aplicadas se elas não elevarem a volume sistólico e o débito cardíaco.

A resposta a reposição de fluidos não significa que o paciente deve receber soluções em bolus

  • Os pacientes devem receber soluções em bolus apenas se o benefício hemodinâmico provavelmente superarem os riscos de esses pacientes tornarem-se excessivamente sobrecarregados de líquidos.
  • Como afirmado anteriormente, os efeitos dos bolus de fluidos são de pouca duração e mínimos, e a ressuscitação contínua com fluídos nesses pacientes causará sobrecarga hídrica.
  • Em vez disso, vasopressores e inotrópicos devem ser utilizados de forma precoce, permitindo a perfusão dos órgãos enquanto limita o edema tecidual.

Uma PVC elevada é o principal fator que leva a hipoperfusão dos tecidos

  • O fluxo sanguíneo de um órgão é determinado pela pressão arterial média e pela PVC. Nossas diretrizes atuais recomendam uma meta para a PVC maior que 8mmHg.
  • Quando a PVC é maior que 8 mmHg, certos órgãos, como o rim, desenvolvem aumento da pressão, levando à diminuição do fluxo sanguíneo renal e lesão renal aguda.

Pontos chave

  1. Reposição hídrica é uma habilidade essencial na emergência e na terapia intensiva, mas é pouco compreendida.
  2. A administração de fluidos deve ser guiada tanto pelos conceitos de responsividade aos fluidos (guiada por meio da curva de Frank-Starling) quanto pela tolerância aos fluidos.
  3. Devido à dificuldade de saber qual paciente com sepse será responsivo aos fluidos, bolus pequenos mas frequentes são preferíveis, e o uso de vasopressores deve ser considerado.
  4. Visto que as emergências não apresentam tecnologia avançada para monitorização do débito cardíaco pode ser difícil a aplicação desse metodologia. No entanto, os princípios da ressuscitação hídrica são sólidos, sendo assim devemos pensar criticamente em como manejar esses pacientes.

“…em aproximadamente metade dos pacientes, nenhuma variável hemodinâmica foi utilizada para prever a resposta aos fluidos – e se utilizada, a PVC foi a opção mais frequente” (Cecconi 2015). Apenas 50% dos pacientes hemodinamicamente instáveis respondiam a administração de fluidos, e apenas 50% desses pacientes foram testados quanto a sua capacidade de resposta; este é o principal aspecto da emergência e da terapia intensiva que nós podemos focar em melhorar.

Texto Original: CoreEM

Tradução: Natália Führ

Autores: Christina Chien

Revisado por: Arthur Martins

Referências:

Cavallaro F et al. Diagnostic accuracy of passive leg raising for prediction of fluid responsiveness in adults: systemic review and meta-analysis of clinical studies. Intensive Care Med. 2010:36(9):1475-83. PMID: 20502865.

Cecconi M et al. Fluid challenges in intensive care: the FENICE study: A global inception cohort study. Intensive Care Med. 2015:41(9):1529-37. PMID: 26162676.

Landesberg G et al. Diastolic dysfunction and mortality in severe sepsis and septic shock. Eur Heart J. 2012:33(7):895-903. PMID: 21911341.

Lee CV et al. Development of a fluid resuscitation protocol using inferior vena cava and lung ultrasound. J Crit Care. 2016:31(1):96-100. PMID: 26475100.

Marik PE. Noninvasive cardiac output monitors: a state-of the-art review. Cardiothorac Vasc Anesth. 2013:27(1):121-34. PMID: 22609340.