Share

Questão Clínica

Em pacientes que se apresentam ao Departamento de Emergência com suspeita de síndrome coronariana aguda (SCA), o uso de um exame de troponina de alta sensibilidade reduz o risco de um infarto do miocárdio subsequente ou a morte cardiovascular aos 12 meses quando comparado com o uso de um teste padrão de troponina?

Contexto

  • Apesar do uso disseminado de biomarcadores para lesão miocárdica, os pacientes com síndrome coronariana aguda com prognósticos significativo ainda recebem alta do Departamento de Emergência. Isto foi destacado pela primeira vez por Pope et al no New England Journal of Medicine em 2000.
  • O uso de um teste de troponina mais sensível pode permitir que mais desses pacientes sejam identificados e recebam terapias, como procedimentos de revascularização e medicações antiplaquetárias, com o objetivo de prevenir futuros eventos coronarianos.
  • A sensibilidade aumentada de tal teste terá um trade-off, em termos de especificidade reduzida, que resultará em mais testes sem benefícios centrados no paciente?
  • O uso de testes de troponina altamente sensíveis demonstrou permitir a alta precoce de alguns pacientes de baixo risco que Than (2014) – artigo do Bottom Line
  • O impacto desses ensaios em desfechos centrados no paciente tem sido menos extensivamente estudado e não há ensaios controlados randomizados nessa área.

Desing

  • Esse foi um ensaio clínico controlado tipo stepped wedge*, randomizado por clusters no qual dez hospitais foram randomizados..
  • Um stepped-wedge, é um modelo de desenho de estudo do tipo “antes e depois”
    • O estudo consistiu em duas fases:
      1. Uma fase de validação de 6 meses, durante a qual os locais relataram as concentrações de troponina cardíaca usando um método contemporâneo de pesquisa de troponina (c-TnI) e usaram isso para orientar as decisões clínicas.
        • Durante este período de validação de 6 meses, tanto o exame de alta sensibilidade quanto os exames tradicionais foram realizados, mas os médicos estavam apenas cientes dos resultados do exame tradicional.
      2. Uma fase de implementação de 6 a 24 meses durante a qual os médicos estavam apenas cientes do resultado do ensaio de alta sensibilidade (TnI-as) e basearam suas decisões clínicas nesse ensaio.
  • Os locais foram escolhidos aleatoriamente para a implementação precoce ou tardia do ensaio de troponina de alta sensibilidade
  • Foi utilizado um limiar específico para o sexo, com os homens tendo limiares mais elevados do que as mulheres
  • Dois médicos, que foram “mascarados” à fase de estudo, revisaram de maneira independente todas as informações clínicas, e os diagnósticos discordantes foram resolvidos por um terceiro revisor
  • Registros regionais e nacionais foram usados para garantir o acompanhamento completo da população em estudo
  • Os desfechos primários foram infarto do miocárdio subseqüente ou morte cardiovascular dentro de um ano após a apresentação inicial no hospital
    • Duas análises foram realizadas:
      • Comparando coorte de validação versus coorte de implementação
      • Comparando sem lesão miocárdica vs lesão miocárdica ‘reclassificada’ de acordo com TnI-as vs lesão miocárdica de acordo com c-TnI
        • Isso permitiu uma visão focada na coorte reclassificada, que são os pacientes tratados de forma diferente, devido ao resultado do recente exame de alta sensibilidade
      • Os desfechos secundários foram: tempo de internação, revascularização coronária não planejada, morte por qualquer causa, morte por causas cardiovasculares (cardíacas e não cardíacas), hospitalização por insuficiência cardíaca e acidente vascular cerebral isquêmico
      • O poder do estudo foi calculado como 74-85% para demonstrar uma redução absoluta do risco se o número de pacientes do grupo Reclassificado fosse de 6-9% com uma taxa de evento primário de 13%.

Configuração

  • Dez hospitais de atenção secundária ou terciária na Escócia
  • Os pacientes foram inscritos entre 10 de junho de 2013 e 3 de março de 2016

População

  • Inclusão: Os pacientes eram elegíveis para o estudo se apresentassem suspeita de síndrome coronariana aguda e tivessem as análises comparadas de troponina cardíaca realizadas pelo estabelecimento de saúde e pelo ensaio clínico
  • Exclusão: Os pacientes foram excluídos se tivessem sido admitidos anteriormente ao período experimental ou não residissem na Escócia.
  • 282 pacientes foram incluídos no estudo
  • A idade média dos participantes foi de 61 anos e 47% da população do estudo eram mulheres

Intervenção

  • Um teste de troponina de alta sensibilidade (TnI-as) (stat ARCHITECT; Abbott Laboratories, EUA) foi usado para orientar as decisões clínicas
    • Este teste em particular tem um limite de referência superior no 99º percentil:  34ng/L nos homens e 16 ng/L nas mulheres

Controle

  • Um ensaio contemporâneo de troponina cardíaca I (c-TnI) (Abbott Laboratories, EUA) foi usado para orientar as decisões clínicas
  • Limiares de 40 ng / l ou 50 ng / l foram usados dependendo do coeficiente de variação inter-testes em cada local

Manejo comum a ambos os grupos

  • O teste de troponina cardíaca foi feito quando os pacientes se apresentaram ao hospital e foi repetido 6 ou 12 horas após o início dos sintomas, a critério do médico assistente e de acordo com as diretrizes nacionais e internacionais.
  • O manejo subsequente (angiografia, intervenção percutânea, etc.) ficava ao critério dos clínicos.
  • A classificação do infarto do miocárdio seguiu a Definição Universal de Infarto do Miocárdio previamente publicada e se o teste de troponina cardíaca fosse positivo na ausência de características clínicas de isquemia, os pacientes eram classificados como portadores de lesão miocárdica.

Resultados

Resultado primário:
  • Infarto do miocárdio ou morte por causas cardiovasculares ocorreu em 1.106 (6%) dos 18.978 pacientes que se apresentaram durante a fase de validação e em 1.480 (5%) dos 29.304 pacientes que se apresentaram durante a fase de implementação
    • Odds Ratio (OR) ajustado para implementação vs. fase de validação: 1,05 (IC 95% 0,92–1,19; p = 0,48)
Coorte reclassificada:
  • Em pacientes que foram reclassificados pelo teste de alta sensibilidade, o desfecho primário ocorreu em 105 (15%) de 720 pacientes durante a fase de validação e 131 (12%) de 1.051 pacientes na fase de implementação
    • OR: 1,10 (0,75-1,61; p = 0,620)
  • 771 de 10.360 pacientes (17%) foram reclassificados por teste de alta sensibilidade à troponina I
    • Apenas um terço desses pacientes foi posteriormente classificado como portador de infarto do miocárdio tipo 1
    • Pacientes reclassificados tinham duas vezes mais chances de serem mulheres (83% versus 41%), mas tinham taxas semelhantes de dor torácica como o sintoma de apresentação
  • Pacientes reclassificados pelo teste TnI-as foram mais propensos a serem submetidos à angiografia coronariana na fase de implementação em comparação com a fase de validação (11% vs. 4%), mas a intervenção coronária percutânea (5% vs. 3%) não diferiu
  • Mais pacientes em fase de implementação foram iniciados em terapia antiplaquetária (18% vs. 9%) e outros agentes de prevenção secundária durante a fase de implementação
Resultado Secundário:
  • Em pacientes reclassificados, não houve diferenças em nenhum dos desfechos secundários ou medidas de desfechos de segurança entre as fases
  • O tempo de internação hospitalar foi reduzido pela metade em pacientes com resultado negativo de hs-TnI e reduzido em um terço em toda a população do estudo.

Conclusões dos autores

  • Implementação de um teste de troponina cardíaca de alta sensibilidade I proporcionou reclassificação de 1.771 (17%) de 10.360 pacientes com lesão miocárdica
  • Apenas um terço desses pacientes tiveram diagnóstico de infarto do miocárdio tipo 1, e a incidência de infarto do miocárdio subsequente ou morte por causas cardiovasculares dentro de um ano não foi afetada pelo uso deste teste.

Pontos fortes

  • Este foi um estudo pragmático, com poder adequado, que avaliou uma das apresentações mais frequentemente encontradas por médicos de emergência – a investigação da síndrome coronariana aguda
  • O desenho do estudo randomizado por cluster foi apropriado para a questão clínica
  • A validade interna do estudo foi melhorada pela análise ajustada
  • Definições robustas de infarto do miocárdio foram usadas
  • Avaliadores estavam “cegos” para a fase de estudo, e os locais foram randomizados para adoção precoce e tardia da fase de implementação, reduzindo o viés do pesquisador
  • O grande tamanho da amostra aumentou a validade externa do estudo
  • O desfecho primário de infarto do miocárdio ou morte por causa cardiovascular em um ano foi centrado no paciente
  • 100% de acompanhamento dos pacientes foi alcançado através do uso de bases de dados interligadas

Pontos fracos

  • O tempo de seguimento de um ano pode ser muito curto para avaliar o impacto da terapia antiplaquetária, estatinas e inibidores da ECA, no entanto, isso envolveu apenas um pequeno número de pacientes (89 no caso de anti-plaquetarios), parece improvável que isso teria um grande impacto nos desfechos cardiovasculares
  • Da mesma forma, é pouco provável que o aumento não significativo da intervenção coronária percutânea (28 pacientes) altere os resultados do estudo para além de um ano de seguimento.
  • 38% dos pacientes reclassificados já estavam em terapia com aspirina, então o impacto da terapia dupla antiplaquetária possivelmente seria diluída pela coorte de doentes escocesa no início do estudo
  • O estudo apenas incorporou hospitais escoceses, limitando a generalização a outros estabelecimentos
    • 57% dos pacientes no grupo de reclassificação tiveram um ECG anormal
    • Em outros contextos de assistência médica, isso pode ter motivado investigações adicionais, mesmo na situação de ter testes seriados de troponina negativos
  • A proporção de pacientes reclassificados pela troponina de alta sensibilidade foi menor do que a prevista no estudo piloto, portanto, o estudo pode ter tido poder baixo.
  • O limiar de diagnóstico para os ensaios de troponina não foi ajustado para insuficiência renal subjacente
  • O desenho do estudo antes e depois, durante um período de 33 meses, significa que o efeito de confusão da prática muda ao longo do tempo não pode ser descartado

Resumindo

  • O uso de troponina de alta sensibilidade reduz o limiar de diagnóstico para infarto do miocárdio
  • A identificação desse grupo expandido de pacientes e o aumento resultante nas intervenções não parecem melhorar os desfechos centrados no paciente em um ano
  • Estou curioso para ver os dados de resultados a longo prazo, em um cenário mais amplo, antes de concluir que a identificação desses pacientes não tem benefício a jusante
  • Meu viés como médico de emergência buscando melhorar o fluxo de pacientes no hospital significa que sou atraído pela redução do tempo de permanência associado a testes de troponina de alta sensibilidade

*stepped-wedge: http://files.bvs.br/upload/S/1413-9979/2013/v18n4/a3859.pdf

Links externos

Estudo High STEACS

Blog do EM NERD de Rory Spiegel sobre troponina de alta sensibilidade

LANCET editorial

Autora do resumo: Fraser Magee

Data do resumo: 27 de setembro de 2018

Editor de revisão por pares: Duncan Chambler

Originalmente postado no blog The Bottom Line: High STEACS Battle of the Troponins

Traduzido por: Rebeca Bárbara

Revisado por: Mateus Araújo