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Contexto: Ensaios clínicos randomizados avaliando a eficácia de corticosteroides como terapia adjuvante no choque séptico mostraram evidências conflitantes de relevância clínica. Dois estudos em particular [2][3] analisaram hidrocortisona em dose baixa (200mg/dia) e seu efeito na mortalidade em pacientes com choque séptico, obtendo resultados conflitantes em relação à mortalidade, mas ambos demonstraram reversão precoce do choque em pacientes tratados com hidrocortisona. As atuais diretrizes da Campanha de Sobrevivência à Sepse recomendam o uso de hidrocortisona em pacientes com choque séptico e que, após ressuscitação volêmica adequada e uso de vasopressores, não alcançaram estabilidade hemodinâmica, entretanto, essa recomendação é classificada como de fraca evidência (nível 2C). Em função das fracas recomendações, houve uma variabilidade no uso de corticosteroides no choque séptico. Em 19 de Janeiro de 2018, os resultados do estudo ADRENAL foram publicados, tentando responder, de uma vez por todas, a questão do uso de corticosteroides como terapia adjuvante no choque séptico.

O que eles fizeram:

  • Estudo controlado, duplo cego, randomizado em paralelo, pragmático e internacional, com 3800 pacientes com choque séptico e submetidos à ventilação mecânica;
  • Infusão de hidrocortisona (dose de 200mg/dia) ou placebo por 7 dias, ou até morte ou alta da UTI;
  • ADRENAL = ADjunctive corticosteroid tREatment iN criticAlly ilL patients with septic shock;
  • Tentaram responder se o tratamento com hidrocortisona reduz a mortalidade em pacientes admitidos na UTI com choque séptico.

Desfechos:

  • Primário: mortalidade em 90 dias.
  • Secundários:
    • Mortalidade em 28 dias;
    • Tempo para resolução do choque;
    • Recorrência do choque;
    • Duração da estada na UTI;
    • Duração da internação hospitalar;
    • Frequência e duração do uso da ventilação mecânica;
    • Frequência e duração de terapia de substituição renal;
    • Incidência de novo quadro de bacteremia ou fungemia entre 2 a 14 dias após a randomização;
    • Necessidade de transfusões sanguíneas.

Inclusão:

  • Adultos (≥18 anos de idade) submetidos à ventilação mecânica com forte suspeita clínica de infecção e que preenchiam 2 ou mais critérios de SIRS;
  • Vasopressor ou inotrópicos contínuos para manter uma pressão sistólica > 90mmHg ou pressão arterial média (PAM) > 60mmHg, ou a PAM ideal definida pelo médico responsável para manter a perfusão;
  • Administração de vasopressores ou inotrópicos por ≥4 horas, e seu uso estando vigente no momento da randomização.

Exclusão:

  • Pacientes recebendo corticosteroides sistêmicos por uma indicação que não choque séptico;
  • Pacientes que receberam Etomidato;
  • Pacientes recebendo tratamento com Anfotericina B para infecções fúngicas sistêmicas no momento da randomização;
  • Pacientes com malária cerebral documentada;
  • Pacientes com infecção por strongyloides documentada;
  • Possibilidade de falecimento dentro de 90 dias por doença pré-existente;
  • Limitações de tratamento (ou seja, DNR – “do not resuscitate”);
  • Cumprir todos os critérios de inclusão por >24 horas.

Resultados:

  • 3800 pacientes de 69 UTIs médico-cirúrgicas foram randomizados.
    • 3658 pacientes foram incluídos no desfecho primário
      • 1832 pacientes no grupo com hidrocortisona
      • 1826 no grupo placebo
    • Subdivisão por tipo de internação:
      • Não cirúrgico ≈ 68%
      • Cirúrgico ≈ 32%
    • Todos os pacientes tinham uma terapia básica similar:
      • Ventilação mecânica ≈ 100%
      • Inotrópicos/Vasopressores ≈ 100%
      • Antimicrobianos ≈ 98%
    • Morte por todas as causas em 90 dias (desfecho primário)
      • Grupo com hidrocortisona: 27,9%
      • Grupo placebo: 28,8%
      • OR 0.95, 95% IC 0.82 – 1.10; p = 0.50
      • 7% dos pacientes receberam esteroides de forma não cegada, porém, após realizar uma análise post hoc do desfecho primário excluindo esses pacientes, ainda não houve diferença na mortalidade OR 0.96, 95% IC 0.82 – 1.12; p = 0.59
      • Também não houve diferença de mortalidade em 6 subgrupos pré-especificados.

  • Tempo médio para a reversão do choque:
    • Grupo com hidrocortisona: 3 dias (variando de 2 a 5)
    • Grupo placebo: 4 dias (variando de 2 a 9)
    • HR 1.32, 95% IC 1.23 – 1.41; p <0.001

  • Sem diferença estatística em:
    • Mortalidade em 28 dias;
    • Taxa de recorrência do choque;
    • Número de dias vivo e fora da UTI;
    • Número de dias vivo e fora do hospital;
    • Recorrência de ventilação mecânica;
    • Taxa de terapia de substituição renal;
    • Incidência de nova bacteremia ou fungemia.
  • Eventos adversos
    • Total de 33 eventos adversos;
    • Grupo com hidrocortisona: 1% (24 eventos);
    • Grupo placebo: 0,3% (3 eventos);
    • P = 0,009
      • Hiperglicemia
      • Hidrocortisona: 6 eventos;
      • Placebo: 3 eventos;
      • Eventos adversos graves
        • Grupo com hidrocortisona: 4 eventos
        • Grupo placebo: 2 eventos

Pontos Fortes:

  • Estudo controlado, randomizado em paralelo, duplo-cego, internacional e pragmático aumenta a validade dos resultados;
  • Desfecho primário clinicamente importante e centrado no paciente;
  • Maior população de pacientes em choque séptico a ser incluída em um estudo para responder a questão do uso de terapia adjuvante com corticosteroides no choque séptico (ou seja, 3800 pacientes)
    • Estudo Annane [2]: 3,5 anos para incluir 299 pacientes;
    • Estudo CORTICUS [3]: 3,5 anos para incluir 499 pacientes;
    • Estudo VASST: 5 anos para incluir 778 pacientes;
    • Estudo APROCCHS: 6,9 anos para incluir 1241 pacientes;
    • Estudo ADRENAL: 4,1 anos para incluir 3800 pacientes.
  • Antes mesmo do estudo estar completo, o protocolo do estudo e o plano de análise estatística foram publicados para ajudar a reduzir vieses nos resultados.
  • Nem Pfizer (a qual fornece a hidrocortisona) nem Radpharm Scientific (que forneceu o placebo) tiveram alguma participação no delineamento ou na condução do estudo, coleta de dados, análise estatística ou na elaboração do artigo.
  • Randomizações ocultadas utilizando uma interface online, criptografada e protegida por senha;
  • Pacientes, médicos responsáveis e condutores do estudo foram cegados em relação ao uso de hidrocortisona vs placebo, o que foi alcançado com a utilização de frascos idênticos e mascarados;

 

  • Desfecho primário analisado em 6 subgrupos pré-especificados para garantir que nenhum dos subgrupos se beneficiaria do uso de hidrocortisona;
  • Duas análises intermediárias foram realizadas por um estatístico independente quando 950 pacientes (25% dos incluídos) e 2500 pacientes (66% dos incluídos) poderiam ser avaliados em relação ao desfecho primário;
  • Características de base dos pacientes eram similares. Em outras palavras, um paciente não estava mais doente do que outro;
  • Muito poucos pacientes perderam o seguimento (28 pacientes, ou 0,7% da população do estudo), aumentando a validade dos resultados;
  • Resultados verificados em 5 sistemas hospitalares diferentes, o que aumenta a validade externa para a prática clínica.

Limitações:

  • Pacientes em uso de etomidato foram excluídos do estudo. Porém, muitos médicos ainda podem estar usando etomidato para sequência rápida de intubação em pacientes sépticos;
  • Eventos adversos foram registrados, com base no julgamento do clínico, como sendo relacionados com o tratamento do estudo, porém este julgamento não foi validado.
  • Os dados não foram coletados em todas as infecções secundárias.
  • A adequação da terapia com antibiótico não foi julgada;
  • A taxa de recorrência da ventilação mecânica foi utilizada como substituto para miopatia, mas fraqueza neuromuscular a longo prazo não foi avaliada;
  • Não foi realizada uma análise detalhada de custo-benefício;
  • Não fica claro a quantidade de fluído que os pacientes recebem em cada braço do estudo, sendo que excesso de fluído foi associado com aumento na mortalidade;
  • É possível que haja uma diferença significativa para um desfecho pequeno, porém clinicamente relevante (ou seja, a diferença de 0,9% pode ser real se um grupo maior fosse recrutado e, em grande número de pacientes, ainda pode ser importante);
  • O manejo fora do uso de esteroides foi a critério do médico assistente, ainda que de acordo com os autores, o manejo seguiu as diretrizes da EBM para sepse;

Discussão:

  • Este estudo foi diferente de vários outros que tentaram responder a esta pergunta, visto que utilizaram infusão de hidrocortisona de 200mg/dia em vez de dose em bolus;
  • Teste de corticotrofina não foi realizado devido à natureza controversa do resultado deste teste em pacientes gravemente doentes;
  • Separação da mortalidade em 90 dias por região participante (a maioria veio da Austrália ≈ 70%);

  • A maioria dos locais de infecção foram:
    • Pulmonar: 33,8% no grupo com hidrocortisona e 36,5% no grupo placebo
    • Abdominal: 25,9% no grupo com hidrocortisona e 25,2% no grupo placebo
  • Alguns pontos interessantes a se considerar (e não tenho certeza se nós temos as respostas para estas questões)
    • Infusão é melhor que bolus?
    • 7 dias é a duração apropriada?

Conclusão do autor: “Em pacientes em choque séptico submetidos à ventilação mecânica, infusão contínua de hidrocortisona não resulta em menor mortalidade em 90 dias do que placebo. ”

Aspecto clínico a ser lembrado: Em pacientes com choque séptico, admitidos na UTI com ventilação mecânica e necessitando ≥4 horas de vasopressor/inotrópico, infusão de hidrocortisona (200mg/dia), quando comparado com placebo, não fez diferença na mortalidade em 90 dias. Entretanto, houve melhora em alguns desfechos secundários como: reversão do choque, dias sem ventilação mecânica, duração da internação na UTI, e menos transfusões de sangue necessárias (esta última é uma geração de hipótese, segundo os autores).

Texto Original: R.E.B.E.L.EM

Autor: Salim Rezaie

Traduzido por: Arthur Sardi Martins

Revisado por: Raphael Sales

Referências:

  1. Venkatesh B et al. Adjunctive Glucocorticoid Therapy in Patients with Septic Shock. NEJM 2018. [Epub Ahead of Print]
  2. Annane D et al. Effect of Treatment with low Doses of Hydrocortisone and Fludrocortisone on Mortality in Patient with Septic Shock. JAMA 2002. PMID: 12186604
  3. Sprung CL et al. Hydrocortisone Therapy for Patients with Septic Shock. The CORTICUS Trial. NEJM 2008. PMID: 18184957

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