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O que sabemos: Assim como todas as medicações na parada cardíaca (p. ex. epinefrina, amiodarona), os benefícios do uso de bicarbonato de sódio têm sido discutidos e debatidos por décadas. Embora esteja claro que o bicarbonato de sódio pode desempenhar um papel importante na ressuscitação de uma parada por hipercalemia, seu papel em pacientes com acidemia, seja ela causa ou consequência da parada, ainda não é claro. Na teoria, aumentar o pH pode ser benéfico, porém, o uso de bicarbonato aumenta o CO2 sérico, o que pode ser deletério ao passo que leva a uma acidose respiratória. Apesar da ausência de boas evidências, o bicarbonato de sódio continua a ser utilizado no manejo da parada cardíaca não-hipercalêmica.

Artigo: Ahn, S et al. Sodium bicarbonate on severe metabolic acidosis during prolonged cardiopulmonary resuscitation: a double-blind, randomized, placebo-controlled pilot study. J Thorac Dis 2018; 104(4): 2295-2302.

Questão Clínica:

Em pacientes com parada cardíaca prolongada, não traumática e resultando em acidose, a administração de bicarbonato de sódio leva a uma maior taxa de RCE (retorno da circulação espontânea) sustentada?

População: Pacientes que não conseguiram alcançar RCE após 10 minutos de manejo padrão ACLS e uma gasometria arterial femoral demonstrando um pH < 7,1 ou bicarbonato < 10 mEq/L

Intervenção: Bicarbonato de Sódio (NaHCO3) 50 mEq/L

Controle: Solução salina (SS) 50ml

Desfechos:

Primário: RCE sustentada (pulso palpável > 20 minutos) e mudança no pH (no resumo do artigo está como RCE sustentada, nos métodos está como mudança no pH)

Secundário: Sobrevida para admissão hospitalar, boa sobrevida neurológica após 1 e 6 meses (CPC 1 – 2)

Desenho: Estudo prospectivo, randomizado, duplo-cego, controlado com placebo e unicêntrico.

Exclusão: Pacientes com ordem de não reanimar, RCE dentro de 10 minutos, gasometria arterial não disponível em 10 minutos, ausência de acidose severa no 10º minuto ou  início de eCPR (procedimento que combina ECMO com RCP)

Resultados Primários:

  • 157 pacientes apresentaram-se com parada cardíaca durante o período de inclusão do estudo.
  • 50 pacientes foram randomizado para NaHCO3 ou SS
  • 107 pacientes foram excluídos pelas razões mencionadas a cima
  • RCE sustentada (>20 minutos): 10%
  • Nenhum paciente sobreviveu após 6 meses (esse era um subgrupo bem doente de pacientes com parada cardíaca)
  • Características de base eram similares entre os grupos

Resultados Críticos:

  • Mudança na acidose
    • Diferença estatisticamente significante entre os grupos no pH e no HCO3
    • pH aos 20 minutos 6.99 (NaHCO3) vs. 6.90 (SS) p = 0.038
    • HCO3 21 (NaHCO3) vs. 8 (SS) p = 0.007
  • RCE sustentada
    • Sem diferença estatisticamente significante
    • 4% (NaHCO3) vs. 16% (SS) p = 0.349
  • Sobrevivência até admissão hospitalar
    • Sem diferença estatisticamente significante
    • 4% (NaHCO3) vs. 16% (SS) p = 0.349
  • Bom desfecho neurológico em 1 mês
    • Sem diferença estatisticamente significante
    • 0% (NaHCO3) vs. 4% (SS)

Pontos fortes:

  • Metodologia sólida para tentar responder à questão: randomizado, duplo cego, controlado com placebo
  • Adiciona informações a uma questão com pesquisas prévias limitadas
  • Foi incorporada uma intervenção para equilibrar o acúmulo de CO2 secundário ao uso do bicarbonato (aumentar a ventilação para 20/minuto após a administração)

Limitações:

  • Estudo pequeno, unicêntrico
  • Não ficou claro qual o desfecho primário (colocado como RCE sustentada no resumo do artigo, mas como mudança no status ácido-básico no corpo do estudo)
  • Tampouco o desfecho primário era centrado nos pacientes. Seria preferível ver bom desfecho neurológico como desfecho primário em estudos subsequentes.
  • A dose de bicarbonato era fixa em vez de ajustada pelo peso. Isso pode ter levado tanto a doses excessivas quanto a doses insuficientes. Uma dose de 1-2mEq/kg poderia ter sido mais apropriada.
  • Amostras de sangue para as análises dos 10 minutos deveriam ter sido venosas em vez de arteriais, pois estas podem diminuir os valores do pH e do bicarbonato.
  • Hiperventilação pode ter beneficiado o grupo que recebeu NaHCO3 (contrapondo a alcalose respiratória), mas pode ter prejudicado o grupo que recebeu SS.
  • Qualidade da RCP e tempo até desfibrilação não foram incluídos, sendo que ambos podem ser fatores de confusão.
  • A definição de RCE era um pulso palpável. Poderia se argumentar que esse não é o padrão ouro: TTE (ecocardiograma transtorácico), TEE (ecocardiograma transesofágico), A-Line (linha arterial) e EtCO2 (medida do CO2 ao final da expiração) são muito mais sensíveis, e pacientes com choque severo  podem ter sido erroneamente incluídos no grupo sem RCE.
  • Apesar de não mencionado como estatisticamente significante, mais pacientes no grupo placebo tinham ritmo chocável em comparação com o grupo bicarbonato (8% – 2 pacientes vs 0% – 0 pacientes).

Outras questões:

Todos os pacientes tiveram a taxa de ventilação aumentada de 10 para 20 respirações por minuto por 2 minutos após a administração de NaHCO3 ou SS para contrabalançar o aumento no CO2  produzido pelo NaHCO3.

Conclusões do autor:

O uso do bicarbonato de sódio melhora o status ácido-básico, mas não melhora a taxa de RCE e o desfecho neurológico. Nós não podemos tirar uma conclusão, mas nossos dados piloto podem ser usados para elaborar estudos maiores para verificar a eficácia do bicarbonato de sódio.

Nossa conclusão:

Nós concordamos com as conclusões dos autores. Embora o uso do NaHCO3 melhore o desfecho secundário do status ácido-básico, não foi vista uma melhora centrada no paciente neste estudo.

Potencial de impactar a prática atual:

Esse pequeno estudo piloto não deve alterar a prática atual. O uso indiscriminado de NaHCO3 na parada cardíaca não deve ser feito. Entretanto, os médicos devem continuar a usar seu julgamento clínico para determinar quais pacientes com parada podem se beneficiar do uso de NaHCO3.

Resumindo:

O uso de NaHCO3 parece não melhorar desfechos clinicamente significativos. Um estudo maior precisa ser feito para melhor avaliar esta questão.

Post Peer Reviewed By: Salim R. Rezaie, MD (Twitter: @srrezaie)

Original: Sodium Bicarbonate in Cardiac Arrest Management

Traduzido por: Arthur Martins

Revisado por: Mateus Araújo