Por: Khalid Mohammed Ali, Shirley Ooi
Traduzido por: Camila Lopes
Revisado por: Thomás
Apresentação do caso:
Um homem de 46 anos de idade, com antecedentes de hipertensão arterial e dislipidemia, apresenta dor retroesternal em aperto de forte intensidade associada à sudorese e falta de ar enquanto dirigia. Ele se apresenta ao departamento de emergência uma hora após o início da dor. Ao exame físico, apresentava os seguintes sinais vitais: Frequência Cardíaca 60bpm, Pressão Arterial 100/50mmHg, Frequência Respiratória 20irpm, SpO2 98% em ar ambiente. Paciente sem edema em membros inferiores, novo sopro cardíaco ou sinais de insuficiência cardíaca.
Seu ECG é mostrado a seguir.
Quais são as características do ECG? Qual o diagnóstico?
Resposta
As alterações desse ECG são: elevação do segmento ST maior que 2 mm em parede inferior (II, III, AVF) com imagem em espelho em V1, V2 sugerindo comprometimento de parede posterior.
O ECG diagnostica infarto sgudo do miocárdio com supra de ST(IAMCST) nas paredes inferior e posterior.
Definição
Síndrome coronariana aguda (SCA) engloba condições que compartilham a mesma fisiopatologia de isquemia do miocárdio, como a angina instável (AI), Infarto Agudo do Miocárdio Sem elevação de Segmento ST(IAMSST) e Infarto Agudo do Miocárdio Com elevação do Segmento ST (IAMCST).
Dicas da história e exame físico
O paciente pode experimentar os seguintes sintomas:
- Dor no peito descrita como uma pressão, em aperto ou com a sensação de queimação, na região precordial, com irradiação para o pescoço, ombro, mandíbula, abdome superior ou ambos os braços.
- Falta de ar, principalmente dispneia por esforço.
- Palpitação.
- Diaforese por estimulação simpática
- Náuseas por estimulação vagal
- Diminuição da tolerância ao esforço
É importante verificar o tempo de início da dor, uma vez que afetará o manejo do IAM com supra de ST. Outra pergunta importante a se fazer é como é a característica da dor, se tem irradiação, sintomas associados, fatores de melhora e piora, especialmente o esforço.
Nunca se esqueça de perguntar sobre os fatores de risco. Você pode usar o score de TIMI.
TIMI (trombólise no infarto do miocárdio): Pesquisadores desenvolveram 7 variáveis de estratificação de risco como uma ferramenta que prevê o risco de morte, re-infarto ou re-vascularização urgente em até 14 dias depois da apresentação:
- Idade ≥ 65 anos;
- Presença de 3 ou mais fatores de risco cardíaco;
- Estenose prévia de artéria coronária ≥ 50%;
- Dois ou mais eventos de angina nas últimas 24 horas;
- Uso prévio de AAS por 7 dias;
- Apresentação de desvio de segmento de ST ≥ a 0.5 mm no ECG;
- Biomarcadores cardíacos positivos.
Pacientes são considerados de alto risco quando pontuam no escore ≥ 5, e de baixo risco com escore ≤ 2. Pacientes de alto risco possuem benefício significativo frente à intervenção coronariana percutânea precoce, ao uso de inibidores do receptor P2y12 (ticlopidina, clopidogrel, prasugrel, ticagrelor, cangrelor e elinogrel) e heparina de baixo peso molecular do que pacientes de baixo risco.
A maioria dos pacientes com SCA possui exame cardiovascular normal. Em um departamento de emergência movimentado, onde o tempo é essencial, o exame físico direcionado nos pacientes com SCA é importante para descartar complicações e possível diagnóstico diferencial.
Os seguintes componentes são essenciais:
- Diferença de pulso e pressão arterial nos dois braços, pois se presente, pode indicar a possibilidade da dissecção da aorta.
- Taquipneia, edema em MMII, aumento da turgência da veia jugular e crepitações nas bases pulmonares ou mesmo somente crepitações em bases pulmonares podem indicar insuficiência cardíaca(IC) prévia ou IC secundária à isquemia miocárdica aguda (IAM).
- Novo sopro cardíaco pode indicar insuficiência aguda de válvula ou ruptura do septo interventricular.
- Bulhas abafadas do coração na ausculta precordial pode indicar derrame pericárdico agudo secundário à ruptura da parede ventricular ou dissecção aguda da aorta com extensão abdominal.
Além do mais, é essencial checar os sinais vitais cuidadosamente. Se o paciente tem hipotensão com isquemia aguda do miocárdio, pode indicar choque cardiogênico. A taquicardia pode variar entre taquicardia sinusal ou taquicardia ventricular. Bradicardia, por outro lado, pode variar de bradicardia sinusal até bloqueio cardíaco de terceiro grau.
Diagnósticos diferenciais:
Existem vários diagnósticos diferenciais críticos quando se considera a síndrome coronariana aguda. Por favor, olhe a tabela completa. Contudo, angina instável, infarto agudo do miocárdio, embolia pulmonar aguda, dissecção aguda da aorta, pneumotórax hipertensivo, ruptura esofágica (síndrome de Boerhaave) são as que ameaçam à vida. Nós aconselhamos que leia todos esses capítulos para adquirir maior confiança.
Olhe a tabela a seguir:
Tabela 4.1 Diagnósticos diferenciais
AMEAÇADOR À VIDA | CVS | RESPIRATÓRIO | TGI | DOR REFERIDA |
Angina instável
Infarto agudo do miocárdio Embolismo pulmonar agudo Dissecção aguda de aorta Pneumotórax hipertensivo Ruptura esofágica (síndrome Boerhaave) |
Angina estável
Periocardite aguda Miocardite |
Pneumonia
Pneumotórax simples |
Refluxo gastroesofágico
Espasmo esofágico |
Abscesso subfrêncio/inflamação
Doença hepatobiliar |
Complicações agudas:
As complicações agudas que podemos ver no departamento de emergência podem incluir:
- Edema pulmonar agudo devido o IAM que leva à diminuição da fração de ejeção e insuficiência cardíaca.
- Complicações mecânicas, como ruptura de músculos papilares, parede livre do ventrículo esquerdo e septo interventricular.
- Arritmias, sejam as taqui ou bradarritmias.
- Choque cardiogênico.
- Parada cardíaca com fibrilação ventricular.
Processo de tomada de decisão e alcançando o diagnóstico
Existem 3 pilares para o diagnóstico: história, ECG, e enzimas cardíacas.
Características clínicas da angina instável podem incluir:
- Angina instável difere da angina estável na forma da dor, em que a dor geralmente é mais intensa, facilmente provocada, mais prolongada, mais frequente e mais grave. A primeira apresentação da angina deve ser considerada como instável. Uma angina instável típica normalmente apresenta alterações específicas ou não no ECG, e geralmente o paciente apresenta dor torácica no departamento de emergência, mas com enzimas cardíacas normais.
- IAMSST deve ser diagnosticado em qualquer paciente com enzimas cardíacas elevadas e sem evidências de supra do segmento ST. IAMSST não precisa de alterações no ECG na hora da apresentação. O ECG pode apresentar:
-
-
- Depressão do segmento ST.
- Elevação transitória do segmento ST, que é resolvida de forma espontânea ou após o tratamento com nitrato.
- Inversão da onda T.
- Evidência de IAM prévio.
- Bloqueio de ramo esquerdo.
- Alterações mínimas não específicas.
-
O ECG pode ser normal. Não deve mostrar persistência aguda da elevação do segmento ST.
- IAMCST é uma verdadeira emergência cardíaca. Os critérios para o diagnóstico de IAM com elevação do segmento ST no ECG são: nova elevação no ponto J em duas derivações contínuas ≥ 2mm, derivações V2 e/ou V3 com elevação de ST ≥ a 1mm.
Tabela 4.2 Alterações no segmento ST e relação anatômica no infarto agudo do miocárdio
LOCALIZAÇÃO | DERIVAÇÕES | ALTERAÇÕES SEGMENTO ST |
Parede anterior | V1-V4 | Elevação |
Parede inferior | II, III, aVF | Elevação |
Parede posterior | V8 e V9
V1-V3 |
Diminuição da elevação |
IM parede ventricular direita | V4R, V5R, V6R | Elevação |
Parede lateral | I, aVL, V5 e V6 | Elevação |
Existem outras causas de elevação de ST que devem ser conhecidas para diferenciar da elevação de ST por IAM. São elas:
- Pericardite aguda;
- Repolarização precoce benigna;
- Síndrome de Brugada;
- Hipercalemia;
- Bloqueio de ramo esquerdo;
- Aneurisma de ventrículo esquerdo;
- Variações normais;
- Ondas de hipotermia de Osborn J;
- Angina de Prinzmetal;
- Marcapasso cardíaco
Em geral, as diferenças entre angina instável e IAMSST/IAMCST é a ausência de anormalidades nas enzimas cardíacas.
Enzimas cardíacas (CKMB, Troponina T ou I) são altamente sensíveis a injúrias no músculo cardíaco. Outros exames laboratoriais incluem hemograma, uréia e eletrólitos. A radiografia de tórax pode fornecer pistas sobre congestão pulmonar aguda ou indicar o diagnóstico de outras condições, como pneumotórax ou dissecção aguda da aorta.
Opções de tratamento emergenciais:
Estabilização inicial:
No departamento de emergência quando um paciente se apresenta com dor torácica, deve-se suspeitar de isquemia aguda do miocárdio, iniciando assim o monitoramento cardíaco contínuo, como FC, PA e SpO2.
A abordagem apropriada consiste em seguir o seguinte:
- O ECG deve ser realizado imediatamente ou nos primeiros 10 minutos do paciente na sala de emergência pela enfermeira responsável, devendo ser interpretado por um médico imediatamente.
- História clínica direcionada com o início exato da dor, sintomas associados e fatores de risco.
- Exame físico direcionado para excluir possíveis diagnósticos diferenciais e complicações do IAM.
- Realizar exames para excluir potenciais diagnósticos diferenciais e complicações do IAM.
- Deve ser realizado acesso venoso periférico e coletar amostra de sangue para exames laboratoriais, como hemograma, uréia, eletrólitos e enzimas cardíacas (CKMB massa, Troponina I ou T).
- Radiografia de tórax deve ser pedido para diagnóstico de edema agudo de pulmão, descartando possíveis diagnósticos diferenciais, como pneumotórax e dissecção aórtica.
- Dupla antiagregação plaquetária com AAS 300mg e Ticagrelor 180mg ou Prasugrel 60mg.
- Nitrato para alívio da dor no peito. Quando a dor torácica persistir após dois comprimidos sublinguais de nitrato, deve-se proceder com infusão de nitrato especialmente em pacientes que possuem hipertensão ou insuficiência cardíaca concomitante.
- Morfina intravenosa com antiemético pode ser considerada para dor que persiste.
- Betabloqueador oral se não houver contraindicação nas primeiras 24 horas.
- O tratamento definitivo depende de qual condição de síndrome coronariana aguda é diagnosticada.
- IAMCST deve ser submetido a terapia de reperfusão preferivelmente com intervenção coronariana percutânea (ICP) ou terapia trombolítica intravenosa.
- Angina instável e IAMSST: terapia medicamentosa com antiplaquetários e beta bloqueador feita na admissão do paciente no hospital e preparar para IPC com urgência.
- Para IAMCST, o tempo é essencial, quanto mais cedo a IPC ou trombólise, melhor é o diagnóstico.
Tabela 4.3 Vantagens e desvantagens da trombólises versus IPC
TROMBÓLISE | IPC | |
Vantagens | Rápida administração amplamente disponível quando conveniente. | Melhor eficácia clínica, com taxas de fluxo TIMI grau 3 e oclusão reduzida. Menos hemorragia, define antecipadamente se anatomia coronariana permite terapia personalizada e estratificação mais eficiente de risco. |
Desvantagens | Teto de patência, ou seja, só há restauração da artéria em apenas 60-85% de pacientes, com um TIMI grau 3 epicárdico, fluxo coronariano em 45-60% dos pacientes. Menos eficácia clínica, e reperfusão ótima não é alcançado em mais de 50% dos pacientes e oclusão do infarto. Risco de hemorragia. | O atraso limita a eficácia; menos amplamente disponível. Requer experiência. |
Na ausência de IPC, trombólise é uma alternativa, e deve seguir os critérios para o paciente ser um candidato para trombólise:
- Dor torácica típica do IAM.
- Elevação do segmento ST.
- Dor no peito com início < 12 horas.
- Pacientes com menos de 75 anos de idade.
Tabela 4.4 Contraindicações de trombólise intravenosa
ABSOLUTAS | RELATIVAS |
– História de hemorragia intracraniana;
– História de AVC nos últimos 3 meses (exceto isquemia aguda nas últimas 3 horas); – Presença de malformação vascular cerebral ou malignidade intracraniana; – Suspeita de dissecção de aorta; – Diátese hemorrágica ou sangramento ativo (exceto menstruação); – Traumatismo craniano ou facial nos últimos 3 meses. |
– Hipertensão severa (PA > 180/110 mmHg);
– História de AVC isquêmico; – Presença de demência; – Doença intracraniana que não é contraindicação absoluta; – Traumatismo ou RCP prolongada por mais de 10 minutos; – Grande cirurgia nas últimas 3 semanas; – Presença de úlcera péptica ativa; – Sangramento interno nos últimos 2 a 4 semanas; – Puncturas vasculares não compressíveis; – Gestantes; – Terapia de varfarina para estreptoquinase, exposição prévia (há mais de 5 dias) ou história de reação alérgica. |
No manejo de síndromes coronarianas agudas, por favor anote o seguinte:
Se o paciente estiver em choque, sempre procure causas associadas:
- Faça um toque retal para avaliar sangramento gastrointestinal.
- Paciente com bradicardia? Tratar de acordo com guidelines ACLS.
- Paciente com taquicardia? Tratar de acordo com guidelines ACLS.
- Paciente tem infarto do ventrículo direito?
- Faça ECG de derivações direitas (procure elevação de pelo menos 1 mm em V4R, V5R e V6R).
- Então, faça hidratação de 100-200ml de solução salina em 5 a 10 min e avalie a resposta.
- Pode ser repetido se o paciente não se tornar dispneico e não apresentar sinais clínicos de edema.
- Iniciar inotrópicos (dobutamina IV/ dopamina 5-20 microgramas/kg/min) se a PA permanecer baixa apesar da hidratação IV de 500 ml.
- O paciente está com choque cardiogênico por causa de complicações, por exemplo, disfunção ou ruptura do músculo papilar, ruptura do septo ou tamponamento cardíaco da ruptura da parede livre?
- Fale com cardiologista e cirurgião cardiotorácico.
- Entretanto, inicie o suporte inotrópico e dobutamina/dopamina 5 a 20mcg/g/min
- Passe sonda vesical de demora para medir o débito urinário.
- Admita à unidade coronariana ou envie o paciente para a hemodinâmica.
Referências e outras leituras, clique aqui.
Referências e outras leituras.
- Kuan Win Sen, Shirley Ooi. Coronary syndromes, acute. In: Shirley Ooi, Peter Manning, eds. Guide to the essentials in emergency medicine, 2nd Ed, Singapore: McGraw-Hill; 2015:239-249.
- David L Coven; Chief Editor: Eric H Yang, MD, Acute coronary syndrome, http://emedicine.medscape.com/article/1910735-overview
- Robert E. O’Connor, Chair; Abdulaziz S. Al Ali, William J. Brady, et al.
Acute Coronary Syndromes 2015 American Heart Association Guidelines Update for Cardiopulmonary Resuscitation and Emergency Cardiovascular Care. - Michael C. Kurz, Amal Mattu, and William J. Brady. Acute coronary syndrome. In: John A. Marx, Robert S. Hockberger, Ron M. Walls, eds. Rosen’s emergency medicine concepts and clinical practice, 8th Ed, USA: Elsevier Saunders; 2014: 997-1033.
- Acute Coronary Syndrome: Practice Essentials, Background .., http://emedicine.medscape.com/article/1910735-overview (accessed July 07, 2016).
Links para mais informações
- CDEM Curriculum – Patwari R. Acute Coronary Syndromes (2008). https://cdemcurriculum.com/cardiovascular/acute-coronary-syndromes/ Accessed July 2018. – Link
- REBEL EM – Tag Archive for ACS. http://rebelem.com/tag/acute-coronary-syndrome/ Accessed July 2018. – Link
- Flipped EM Classroom – ACS. https://flippedemclassroom.wordpress.com/2013/10/20/acute-coronary-syndrome/ Accessed July 2018. – Link