Por: Aldo E. B. Salinas, Jesus Daniel Lopez Tapia
Tradução: Ana Clara Fachinello Laudelino
Revisão: Rebeca Bárbara da Silva Rios
Apresentação de caso
Um homem de 50 anos com história de asma chega ao departamento de emergência com falta de ar, taquipneia e sibilos audíveis. O paciente tomou as suas medicações prescritas previamente em casa, mas os sintomas não melhoraram.
Seus sinais vitais eram: PA 130×90 mmHg, FC: 120bpm, FR: 40irpm, SpO2: 92% em ar ambiente.
O exame físico mostrou uso de musculatura respiratória acessória, sibilos expiratórios e murmúrio vesicular diminuído com roncos expiratórios à ausculta. Foram prescritos nebulização com Beta2-agonista de curta duração (SABA) e corticoide sistêmico. O pico de fluxo expiratório (PFE) medido antes e depois do tratamento foi 125 e 360, respectivamente. A ausculta após o tratamento inicial mostrou melhora significativa do fluxo de ar. O paciente recebeu alta, com prescrição de corticoides orais além das medicações que já usava previamente.
Introdução
A asma é uma doença inflamatória crônica das vias aéreas caracterizada por episódios recorrentes de limitação variável do fluxo de ar expiratório. Pacientes asmáticos têm vias aéreas hiperresponsivas, que se contraem quando expostas a diversos estímulos. Os sintomas e a limitação do fluxo de ar são frequentemente reversíveis, espontaneamente ou através de tratamento. No entanto, a reversão pode ser incompleta em alguns pacientes, gerando limitação crônica do fluxo aéreo. O diagnóstico da asma deve ser baseado na história de padrões característicos de sintomas e evidência de limitação variável de fluxo de ar documentada por teste de resposta a broncodilatador e outros exames.
Fisiopatologia
Os mediadores responsáveis pela resposta a estímulos alérgicos ou não alérgicos causam inflamação, edema, produção de muco e hipertrofia dos músculos das vias aéreas. Tudo isso leva a broncoconstrição e hiperreatividade, agravando a obstrução e a limitação do fluxo aéreo. A inflamação repetitiva das vias aéreas leva a mudanças estruturais irreversíveis, chamadas de remodelamento de vias áreas. Isso resulta em aumento da resistência das vias e diminuição no volume expiratório forçado e taxas de fluxo de ar. Como resultado, os pulmões se tornam hiperinsuflados. Desenvolve-se desequilíbrio entre ventilação/perfusão apesar do aumento do trabalho respiratório. A interação desses elementos determina as manifestações clínicas, a gravidade da asma e a resposta terapêutica. Veja este vídeo.
Sinais e sintomas
Os sintomas clássicos incluem a tríade: dispneia, sibilância e tosse. Os achados físicos durante a exacerbação da asma podem variar. Um paciente com exacerbação leve pode se apresentar apenas com tosse e sensação de aperto no peito, enquanto um paciente com exacerbação grave terá desconforto respiratório, taquipneia e sibilos intensos. Do outro lado do espectro, estão os pacientes com “tórax silente”, o que reflete severa obstrução do fluxo de ar e fluxo aéreo insuficiente para gerar sibilância.
A exacerbação começa com tosse e sensação de aperto no peito. Com o avanço do quadro, a expiração se torna prolongada, o sibilo mais proeminente e há uso de musculatura respiratória acessória. Para diminuir o esforço respiratório, o paciente pode se sentar ereto ou inclinado para frente. O aparecimento de respiração paradoxal reflete iminência de insuficiência ventilatória e alteração de estado mental anuncia parada respiratória.
Abordagem crítica à beira leito
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- Garantir oxigenação adequada
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- Oferecer SABA (beta agonista inalatório de curta duração) para reverter obstrução do fluxo aéreo
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- Oferecer corticoides para aliviar a inflamação
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- Realizar avaliações seriadas para monitorar a resposta terapêutica
Abordagem geral
- Obter história clínica, avaliar a gravidade da exacerbação e iniciar o tratamento simultaneamente. A frequência respiratória, dispneia, frequência cardíaca, saturação de oxigênio e função pulmonar refletem a gravidade da exacerbação.
- Manter causas alternativas de dispneia em mente
- Iniciar o tratamento com doses repetidas de SABA inalatório com “bombinha”, espaçador ou nebulizador.
- Oferecer corticoides precocemente e controlar fluxo de oxigênio em exacerbações potencialmente fatais ou se o Volume expiratório forçado em 1 segundo (VEF1) for menor que 30% do previsto.
- A saturação alvo é 93-95% em adultos e adolescentes e 94-98% em crianças entre 6-11 anos.
- Monitorar sintomas e saturação de oxigênio contínua ou frequentemente. Avaliar função pulmonar após uma hora.
- Adicionar brometo de ipratrópio ao tratamento das exacerbações graves. Considerar sulfato de magnésio intravenoso se o paciente não responder ao tratamento inicial
- Não há indicação de fazer radiografia de tórax, gasometria ou prescrever antibióticos.
- Prescrever tratamento de controle contínuo antes da alta para reduzir o risco de novas exacerbações.
- Fornecer acompanhamento para todos os pacientes, preferencialmente dentro de semana.
Diagnóstico diferencial
Sibilância, tosse e dispneia podem ser causados por muitas outras patologias, incluindo pneumonia, bronquite, bronquiolite, DPOC, insuficiência cardíaca congestiva, doenças valvares cardíacas, TEP, reações alérgicas, DRGE, exposição a odores, poeira e gás e obstrução de vias aéreas por disfunção de cordas vocais, edema, neoplasia ou corpo estranho. Qualquer um desses diagnósticos podem também pode ser encontrado associado à asma.
Dicas para anamnese e exame físico
História clínica:
- Identificar possíveis causas da exacerbação
- Comparar a gravidade da exacerbação atual com anteriores
- Identificar outras comorbidades
- Uso de medicamentos para asma e adesão ao tratamento
- Uso de medicações potencialmente desencadeadoras de crise: aspirina, beta bloqueadores, IECA
- Fatores de risco para mortes relacionadas à asma: pouca aderência ao tratamento, problemas psicossociais, história de asma quase fatal requerendo intubação e ventilação mecânica, ida ao hospital por asma no último ano, uso atual ou parada recente do uso de corticoides orais, não uso atual de corticoides inalatórios, uso excessivo de SABA, alergias alimentares.
Exame físico:
- Checar sinais vitais
- Procurar sinais de exacerbação grave
- Uso de musculatura acessória
- Confusão mental
- Preferência por ortostatismo
- Rebaixamento do nível de consciência
Procurar por complicações
- Anafilaxia
- Pneumonia
- Pneumotórax
Procurar por sinais de diagnósticos diferenciais que poderiam explicar dispneia aguda
- Insuficiência cardíaca
- Embolia pulmonar
- PFE em pacientes maiores de 5 anos
O achado mais comum no exame físico é o sibilo expiratório. Com a obstrução grave das vias aéreas, ele diminui ou desaparece porque a velocidade do movimento pode ser insuficiente para produzir o som. Creptos ou sibilos inspiratórios não são característicos de asma, é mais provável vê-los na pneumonia. Crepitações inspiratórias e expiratórias são vistas no edema pulmonar.
Pacientes com crises leves ou moderadas podem falar frases ou palavras inteiras. Eles podem preferir sentar a deitar, mas não há uso de musculatura acessória. A frequência respiratória é aumentada e a cardíaca fica por volta de 100-120bpm. A saturação de oxigênio em ar ambiente é 90-95% e a PEF>50% do previsto ou do melhor valor já registrado para o paciente.
Pacientes em crise grave conseguem falar apenas algumas palavras, sentam-se curvados para frente, usam musculatura acessória e mostram agitação. A frequência respiratória é maior que 30 irpm e a cardíaca excede 120bpm. Taquipneia e taquicardia estão associadas com obstrução grave, mas menores frequências não excluem asma grave. A saturação em ar ambiente é <90% e a PEF <= 50% do previsto ou do melhor valor já registrado para o paciente.
Pacientes com crises fatais apresentam sonolência ou confusão mental e têm tórax silencioso.
Exames diagnósticos na emergência e sua interpretação
- Provas de função pulmonar: espirometria a beira leito é usada tanto para avaliação inicial quanto para mensurar resposta terapêutica. Se possível, e se não for atrasar o tratamento, registrar PEF e VEF1 antes de iniciá-lo. O paciente precisa estar cooperativo para que os testes possam ser confiáveis. Deve-se monitorar a função pulmonar até que tenha ocorrido evidente resposta ao tratamento ou um platô de resposta. Quando possível, o manejo deve ser guiado pelo melhor valor de PEF ou FEV1 de cada paciente ou, se desconhecidos, os valores normais previstos.
- Oximetria de pulso: é um meio não invasivo conveniente e contínuo para monitorar a saturação de oxigênio antes e depois do tratamento
- Gasometria arterial (GasA): é útil se há preocupação com relação a hipoventilação ou retenção de CO2 e acidose respiratória. Não é indicado na maioria dos pacientes com exacerbação leve ou moderada. A gasometria arterial deve ser considerada em pacientes com PEF ou EF1<50% do previsto, para aqueles que não respondem ao tratamento inicial ou continuam piorando apesar do tratamento. A Pao2 < 60 mmHg e paCO2 normal ou aumentada (especialmente > 45 mmHg) indicam falência respiratória. Fadiga e sonolência sugerem que a pco2 pode estar aumentando e uma intervenção em via aérea pode ser necessária. Não espere pela gasometria para tratar insuficiência respiratória ou ventilatória.
- Outros exames laboratoriais raramente são úteis numa crise aguda de asma
- Exames de imagem: a radiografia é o único exame indicado se houver possibilidade de pneumotórax, pneumomediastino, pneumonia ou outras condições.
- ECG e monitorização cardíaca: O ECG de rotina é desnecessário. Pacientes mais idosos e pacientes com doença cardíaca concomitante ou exacerbação grave devem passar por monitorização cardíaca contínua para detecção de arritmias
Opções de tratamento
- Oxigênio: administrar por cânula nasal ou máscara. O alvo para saturação de oxigênio é 93-95% (94-98% para crianças 6-11 anos)
- Beta2-agonista de curta duração inalatório (SABA): Usar de 4-10 puffs na “bombinha” com espaçador em crises leves ou moderadas. Para crises graves, fazer nebulização a cada 20 minutos por 1 hora.
- Adrenalina (para anafilaxia): Indicado somente se asma aguda associada à anafilaxia e angioedema.
- Corticosteroides sistêmicos: aumentam a resolução das exacerbações e previnem a recorrência. Devem ser utilizados dentro de uma hora do início da apresentação do quadro. O uso oral e intravenoso são igualmente efetivos, porém a via oral é preferida porque é menos invasiva e mais barata. Os corticóides endovenosos podem ser administrados quando o paciente está muito dispneico para engolir, se estiver vomitando ou quando requerem ventilação não invasiva ou intubação. A dose de corticoide é 1mg/kg (Max. 50mg) de prednisona para adultos e 1-2mg/kg (Max 40mg) para crianças.
- Corticosteróides inalatórios: são bem tolerados. De qualquer forma, o custo é um fator limitante. A efetividade, dose e duração do tratamento na emergência permanecem incertos.
- Terapia com Helio-oxigênio (heliox): Pode ser considerada para pacientes que não respondem à terapia convencional
- Ventilação mecânica não invasiva (VMNI) e intubação: Se o paciente passa a exibir sinais de insuficiência respiratória aguda incluindo hipercapnia progressiva e acidose, intubação e ventilação mecânica são indicadas. A VMNI ainda é controversa na asma. Ela melhora o trabalho respiratório e a troca gasosa, mas aumenta o risco de barotrauma.
Esse vídeo demonstra o tratamento da asma. Contudo, na emergência, as ações devem acontecer com mais rapidez.
Populações especiais
Gestantes
As vantagens de tratar ativamente a asma durante a gravidez superam os riscos potenciais do uso dos medicamentos de controle e alívio da doença. Para evitar hipóxia fetal, as exacerbações da asma devem ser tratadas agressivamente com SABA, oxigênio e corticoides sistêmicos.
Idosos
Os idosos podem não descrever os sintomas da asma ou podem associar a falta de ar a idade ou a comorbidades (doenças cardiovasculares, obesidade, etc). O impacto das comorbidades, tratamentos concomitantes para outras doenças, efeitos adversos de medicações (cardiotoxicidade com beta2-agonistas, feridas na pele, osteoporose, catarata secundária ao uso de corticoides) e falta de habilidade para autogerenciamento devem ser levados em consideração no manejo da asma nos idosos.
Crianças
O manejo da exacerbação da asma para adultos e crianças >5 anos é praticamente igual. Esta seção aponta para o manejo em crianças menores de 5 anos.
A presença de qualquer uma dessas características significa exacerbação grave:
- Alteração do nível de consciência
- Saturação de oxigênio > 92%
- Cianose central
- Tórax silencioso
- Estado mental prejudicado (a capacidade basal do paciente deve ser levada em consideração)
- Frequência cardíaca ( >200bpm para crianças de 0-3 anos, >180 bpm para crianças de 4-5 anos)
- Oxigênio: a saturação de oxigênio alvo é 94-98%
- Terapia com broncodilatador: Dar 2-6 puffs de salbutamol com espaçador, ou 2.5mg em nebulização a cada 20 minutos na primeira hora, e reavaliar a gravidade. Se os sintomas persistirem ou reincidirem, oferecer 2-3 puffs adicionais por hora. Para crianças com exacerbação moderada a grave e resposta inicial pobre ao SABA, pode-se adicionar o brometo de ipratrópio, em 2 puffs de 80mcg (ou 250mcg se nebulizado) a cada 20 minutos por uma hora, apenas.
Corticoides sistêmicos: Oferecer dose inicial de prednisolona (1-2 mg/kg até o Máximo de 20mg para crianças menores de 2 anos; 30mg 2-5 anos ou metilprednisolona endovenosa 1mg/kg a cada 6 horas.
Sulfato de magnésio: se a criança não responde à terapia convencional, considerar nebulização com três doses de sulfato de magnésio isotônico na primeira hora de tratamento ou sulfato de magnésio intravenoso (numa única dose de 40-50mg/kg ((Max 2g)) em infusão lenta ((20-60min)) para crianças menores de 2 anos com exacerbação grave.
Disposições finais
Se o VEF1 ou PEF antes e depois do tratamento forem, respectivamente <25% e <40% do previsto ou do melhor já registrado para o paciente a hospitalização é recomendada.
Se a função pulmonar após o tratamento for >60% do previsto ou do melhor já registrado, é recomendada a alta após considerar os fatores de risco e disponibilidade de acompanhamento posterior.
Pacientes com a função pulmonar entre 40-60% do previsto estão na zona cinza. A decisão por hospitalização ou alta deve ser feita de acordo com os fatores de risco do paciente e a disponibilidade de acompanhamento posterior.
Fatores de risco associados com a necessidade de hospitalização:
- Sexo feminino, idade avançada, raça não-branca
- Uso de mais de 8 puffs de beta2-agonista nas últimas 24 horas
- Gravidade da exacerbação (ex. necessidade de ressuscitação ou intervenção medicamentosa rápida na chegada, FR>22 irpm, saturação <95%, PEF final <50% do previsto)
- História de exacerbações graves exigindo internação
- Idas anteriores ao hospital necessitando do uso de corticoides orais
Uma exacerbação de asma não é solucionada completamente na alta, a inflamação das vias aéreas e a obstrução periférica podem levar horas a dias para se resolverem.
- Prescrever pelo menos 5-7 dias de corticoides orais (prednisolona ou equivalente 1mg/kg/dia até o Máximo de 50mg/dia, juntamente com corticoides inalatórios e medicação de alívio.
- Implementar estratégias para reduzir os riscos modificáveis (exposição a alérgenos e irritantes, uso incorreto da bombinha, tratamento de longa data inadequado, má aderência ao tratamento ou falta de um plano de ação escrito para asma.
- Garantir consulta de acompanhamento dentro de uma semana.
Referências e leituras adicionais, clique aqui