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Por: Dan O’Brien 

Tradução: Lívia Novaes Teixeira

Revisão: Rebeca Bárbara da Silva Rios

Mulher de 24 anos chega ao departamento de emergência com queixas de dor abdominal baixa e sangramento de escape. Nunca esteve grávida. Última menstruação há 2 meses atrás. Apresentou leve escape mês passado e refere que sua menstruação desse mês está atrasada. 

História prévia de um episódio de dor abdominal baixa há 2 anos atrás que se pensava ser doença inflamatória pélvica, resolvida por antibiótico oral por duas semanas. Não possui alergias e não está fazendo uso de medicamentos. Revisão dos sistemas e história familiar não são dignos de nota. Na história pessoal, apresenta relação monogâmica sem uso de métodos contraceptivos. 

Estado geral: BEG, temperatura de 37oC, pressão arterial de 110×70 mmHg e pulso de 90 bpm. O exame abdominal revelou sons intestinais normais, ausência de massas palpáveis, distensões, visceromegalias. Sinal de Blumberg ausente. Apresentou leve desconforto à palpação no quadrante inferior esquerdo. Exame pélvico revelou sensibilidade em anexos, sem massas palpáveis. O exame retal estava normal e sem sangue oculto nas fezes. 

Resultados laboratoriais: exame de gravidez positivo pela fita reagente de imersão em urina, ß-hCG sérico quantitativo de 2000 mlU/mL, hemoglobina 13 g/dL, hematócrito 40%. Rh positiva. Ultrassom transvaginal realizado pelo emergencista durante exame pélvico não demonstrou gravidez intrauterina. Revelou uma pequena quantidade de fluido retrouterino no fundo de saco. Identificou-se gravidez ectópica de 2 cm.

 Realizou-se dois acessos venosos calibrosos, teste de compatibilidade sanguínea e a GO foi consultada. Opções de tratamento foram discutidas.  

Introdução 

A gravidez ectópica ocorre quando um óvulo fertilizado é implantado em algum lugar diferente da cavidade principal do útero. A incidência global é desconhecida; no entanto, nos Estado Unidos, a incidência varia de 2.7 a 6 mortes por 10.000 nascidos vivos. Aproximadamente 1%-2% das gestações nos Estados Unidos são ectópicas e contam por 3%-4% dos óbitos relacionados a gravidez. A gravidez ectópica continua sendo a principal causa de morte materna no primeiro trimestre de gestação e é a segunda maior causa de mortalidade materna. O diagnóstico precoce e a conduta apropriada podem prevenir resultados adversos graves e potencialmente melhorar a fertilidade subsequente. 

Abordagem Clínica e Geral à Beira do Leito 

Diante das consequências de uma gravidez ectópica não diagnosticada, toda mulher em idade reprodutiva com dor abdominal ou pélvica com ou sem sangramento vaginal deve ter a gravidez ectópica como diagnóstico de exclusão. 

A partir da definição diagnóstica, o primeiro passo é determinar a estabilidade hemodinâmica da paciente. 

A maioria das gestações ectópicas possui uma apresentação estável. Alternativamente, sinais vitais instáveis em qualquer mulher em idade reprodutiva com queixa de dor pélvica ou abdominal sugere gravidez ectópica rota. 

É essencial determinar se a paciente está grávida, avaliando a subunidade ß da gonadotrofina coroniônica humana (ß-hCG) na urina ou no sangue. O teste qualitativo de urina pode ser facilmente realizado ao leito, sendo positivo quando o ß-hCG é maior que 20 mlU/mL na urina. Apesar da urina diluída reduzir a sensibilidade, a taxa de falso-negativos é menor que 1%. O teste quantitativo no sangue deve também ser obtido pois o nível do ß-hCG pode auxiliar nas decisões subsequentes.  

É importante verificar o fator Rh materno. Uma gravidez ectópica pode sensibilizar uma mãe com fator Rh-negativo pelo sangue fetal Rh-positivo. O método mais eficiente na paciente estável é o coombs indireto e o teste ABO e Rh. Deve-se inicialmente providenciar um hemograma completo.  

Outras causas de dor abdominal ou pélvica associada a sangramento vaginal nas primeiras vinte semanas de gravidez incluem aborto, sangramento de nidação e doença troflobástica gestacional. Causas de dor abdominal ou pélvica sem sangramento incluem doença da vesícula biliar, apendicite e hiperêmese. Deve-se considerar a realização de EAS, dosagem de eletrólitos e estudo da função hepática. 

Diagnóstico Diferencial

Dor abdominal ou pélvica é uma queixa comum no departamento de emergência com diversos diagnósticos diferenciais. Deve-se suspeitar e investigar apendicite, endometriose, cisto de ovário, torção de ovário, doença inflamatória pélvica, cólica renal e infecção do trato urinário, em todas as pacientes em idade reprodutiva. Nas pacientes grávidas, no entanto, as possibilidades de gestação intrauterina, sangramento de nidação, ameaça de aborto, aborto inevitável, cisto do corpo lúteo, gestação molar e gravidez ectópica devem ser avaliadas. 

Pistas na História e Exame físico 

“Mulher de 24 anos se apresenta no departamento de emergência com queixas de dor abdominal baixa e sangramento de escape. Nunca esteve grávida. Última menstruação há 2 meses atrás. Apresentou leve escape mês passado e refere que sua menstruação desse mês está atrasada”. 

Pela perspectiva de um emergencista, o diagnóstico diferencial de uma mulher com teste de gravidez positivo é amplo, e o exame pélvico e abdominal será necessário na maioria dos casos no primeiro trimestre. 

Apesar da dor abdominal ser descrita em 90% das gestações ectópicas, sangramento vaginal em mais da metade e irregularidade menstrual em até 70%, nenhum desses sintomas limita o diagnóstico suficientemente para incluir ou excluir a gravidez ectópica com segurança. A tríade clássica de dor abdominal, sangramento vaginal e amenorreia não é específica para gravidez ectópica e, na realidade, está presente com outras queixas mais comuns, como aborto espontâneo. Portanto, deve-se considerar a gestação ectópica em qualquer mulher em idade reprodutiva que se apresenta com queixa abdominal ou pélvica. 

“O exame abdominal revelou sons intestinais normais, ausência de massas palpáveis, distensões ou visceromegalias. Sinal de Blumberg ausente. Apresentou leve desconforto à palpação no quadrante inferior esquerdo. Exame pélvico revelou sensibilidade em anexos sem massas palpáveis. O exame retal estava normal e sem sangue oculto nas fezes.”

Infelizmente, o exame físico pode não ser útil em distinguir uma gravidez ectópica de outras causas de sintomas abdominais ou pélvicos. Nos casos de gravidez ectópica rota, a paciente pode se apresentar com choque, associado a sinais de irritação peritoneal no exame abdominal e pélvico. O exame abdominal pode ser inespecífico, o exame pélvico pode ser normal ou apresentar pequena sensibilidade ao movimento cervical. O útero pode ter tamanho normal, e pode haver sangramento mínimo na parede vaginal. Na realidade, a paciente com gravidez ectópica não-rota pode apresentar-se idêntica como uma com gestação saudável. 

Testes de Emergência e Diagnóstico e Interpretações

“Resultados laboratoriais: exame de gravidez positivo pela fita reagente de imersão em urina, ß-hCG sérico quantitativo de 2000 mlU/mL, hemoglobina 13 g/dL, hematócrito 40%. Rh positiva.”

A paciente está grávida. O principal objetivo é determinar se é uma gravidez intrauterina (GIU). Pela perspectiva do médico de emergência, uma gravidez intrauterina confirmada pela ultrassonografia transabdominal ou transvaginal pode com segurança descartar uma gravidez ectópica. Como é Rh positiva, não possui risco de aloimunização. 

Avanços nas imagens de ultrassom e a habilidade do emergencista de realizar a imagem transabdominal e transvaginal tem garantido maior segurança à paciente e aprimoram a precisão clínica. Não há nenhum consenso definitivo em relação à sequência do estudo transabdominal. Na paciente estável, é importante realizar o ultrassom transvaginal com o exame vaginal. Um exame complementa o outro. Se não há GIU identificada, procura-se por líquido livre no abdome. Se o exame vaginal for adiado ou a paciente é considerada como baixo risco, o exame transabdominal para identificar a GIU pode ser suficiente. 

Imagem 8.1 Gravidez intrauterina. Imagem transvaginal. Gestação inicial normal. Observe o saco vitelino (vermelho) e o saco gestacional intrauterino (amarelo). 

A presença de gestação uterina foi considerada como parâmetro para exclusão de gravidez ectópica. A incidência da gestação heterotópica parece ser menor que 1: 30.000 gestações. No entanto, chega a 1 a 100 em gestantes que foram submetidas a fertilização in vitro ou que utilizaram medicamentos indutores da ovulação. 

“Ultrassom transvaginal realizado pelo emergencista durante exame pélvico não demonstrou gravidez intrauterina. Revelou uma pequena quantidade de fluido retrouterino no fundo de saco. Identificou-se gravidez ectópica de 2 cm.”

Imagem 8.2 Ultrassom transvaginal de embrião no anexo ao lado de um útero vazio

Imagem 8.3 Indício de um embrião vivo em modo M. O modo M descreve as mudanças temporais em uma dada profundidade em um eixo, enquanto mede o tempo no segundo eixo. O tremulado observado é a atividade cardíaca. 

Imagem 8.4 Uma pequena quantidade de líquido livre é observada no fundo-de-saco (vermelho). Não confundir reação endometrial típica de gravidez (amarelo) com saco gestacional. Gestação ectópica (verde) é observada no anexo. 

Vídeo revelando Gestação ectópica – Ultrassom Transvaginal 

Imagem 8.5 Um pseudo-saco gestacional (vermelho) é uma coleção de fluido intrauterino, podendo ser confundido com um verdadeiro saco gestacional. Este normalmente penetra no endométrio, ao invés da cavidade uterina, contendo um saco vitelino tipicamente visto com 5,5 semanas, e possui a característica de um anel duplo ou sinal decidual duplo com 4-6,5 semanas. 

Deve-se considerar laparoscopia em pacientes com suspeita de gravidez ectópica e não diagnosticada pelo ultrassom vaginal. É utilizada tanto para diagnóstico quanto para terapêutica. 

Culdocentese implica na extração de fluido da escavação retouterina posterior à vagina por meio de uma agulha. Tem sido suplantado pelo ß-hCG e ultrassom, mas pode ser útil quando o ultrassom não está acessível. 

Opções de Tratamento de Emergência 

“Realizou-se dois acessos venosos calibrosos, teste de compatibilidade sanguínea e a GO foi consultada. Opções de tratamento foram discutidas”.

Gravidez ectópica exige consultar a GO. Se a paciente está instável: ressuscitação volêmica, consulta urgente, e a laparoscopia ou cirurgia aberta estão indicadas. Nesse caso, foi estabelecido acesso IV, sendo feita tipagem sanguínea e teste de compatibilidade. O cirurgião GO elegeu a cirurgia laparoscópica. A gravidez ectópica foi confirmada na trompa de Falópio esquerda e removida com sucesso. 

Se a paciente está estável e a gestação está em fase inicial (níveis de ß-hCG < 3000 mlU/mL), o médico GO pode considerar metotrexato como conduta. O cirurgião, ao contrário do emergencista, deve decidir o tratamento.

A Zona Discriminatória

Se o exame de urina do ß-hCG encontrar-se positivo, mas o ultrassom transvaginal não revelar a GIU, o emergencista deve considerar o conceito de “zona discriminatória”. A zona discriminatória é o valor mínimo de ß-hCG no sangue que o examinador deve reconhecer como uma GIU. Com a ultrassonografia transvaginal, uma GIU deve ser observada com um nível ß-hCG acima de 1500 mIU/mL e com a ultrassonografia abdominal acima de 6000 mIU/mL. Se o ß-hCG do sangue está acima de 1500 mIU/mL e a ultrassonografia transvaginal não identifica uma GIU, é essencial a consulta à GO. Deve-se presumir que essas pacientes possuem gravidez ectópica. Técnicas adicionais incluem laparoscopia ou dilatação e curetagem. 

Se o ß-hCG sanguíneo está menor que 1500 mIU/L, a paciente possui baixo risco e junto com a confirmação do médico GO, a paciente pode ter alta e retorno em dois dias para repetir exames e níveis de ß-hCG.

Os níveis de ß-hCG elevam-se rapidamente nas primeiras dez semanas e estabiliza-se após esse período. Apesar de gestações patológicas geralmente apresentarem níveis menores de ß-hCG em comparação a gestações normais, há uma importante sobreposição, e valores absolutos não auxiliam na distinção entre uma gestação normal e anormal. Uma regra geral de consenso é que, em uma gravidez normal, os níveis de ß-hCG dobram a cada 48 horas. No entanto, há uma grande variedade e algumas controvérsias. Em pacientes estáveis, medidas séricas e ultrassonografias repetidas podem ser usadas para aumentar ou diminuir a suspeição de uma gravidez ectópica oculta. 

O nível de ß-hCG representada pela zona discriminatória depende das técnicas e habilidades do examinador, e do equipamento. A zona discriminatória não deve ser usada para determinar a viabilidade ou o plano terapêutico associado a uma GIU. 

Gestações ectópicas documentadas têm apresentado nível de ß-hCG abaixo do valor de referência do teste. Portanto, não renuncie a investigação ultrassonográfica em nenhuma paciente com valor de ß-hCG no sangue menor que 1500 mIU/mL. 

Decisão de Alta 

Se uma gravidez ectópica é diagnosticada em uma paciente instável, essa paciente necessitará de ressuscitação volêmica, da consulta urgente e de intervenção cirúrgica. 

Se uma ectópica não-rota é diagnosticada em uma paciente estável, o cirurgião GO pode considerar intervenção medicamentosa ou cirúrgica baseada nas características da ectópica, fatores de risco da paciente e estabilidade. Muitas pacientes tratadas de forma medicamentosa podem ter alta com acompanhamento próximo e instruções rigorosas de retorno. Pacientes tratadas com metotrexato, que retornam, podem apresentar desafios, pois a dor associada a indução de aborto tubário pelo metotrexato não é prontamente distinguível de uma ectópica rota. 

A consulta ao GO deve avaliar a paciente gestante com um ß-hCG acima da zona discriminatória, mas sem evidência de GIU. A cirurgia laparoscópica diagnóstica é comum e, em caso de gestação ectópica, é frequentemente terapêutica. 

A paciente grávida com ß-hCG abaixo da zona discriminatória e sem evidência de GIU pode receber alta após a concordância do cirurgião GO para acompanhamento laboratorial e realização de exames séricos. Uma parte dessas pacientes irá ser posteriormente diagnosticadas com GIU, gravidez ectópica, aborto completo, incompleto ou ameaça. 

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