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Por: Dan O’Brien.

Tradução por: Laisla Cristina de Souza. 

Revisado por: Bruna Rodrigues de Brito Nakao

Áudio disponível aqui

Apresentação de Caso

Uma mulher de 35 anos comparece ao pronto-socorro com dor abdominal em quadrante superior direito, há duas horas. Com início várias horas após ingesta de uma grande refeição. Devido ao aumento da dor e náusea  ela procura atendimento para avaliação. Nega vômito, febre ou disúria. Antecedentes patológicos diabetes tipo II controlado por dieta, dislipidemia e hipertensão. IMC é 33. Em uso do medicamento lisinopril 10 mg por dia. Nunca fez cirurgia. Sua história social não é digna de nota. Nega etiilismo e tabagismo. Refere ter inciado dieta, com perda de peso recente.

Temperatura de 37°C, pressão arterial: 110/70 mmHg, pulso: 90 batimentos por minuto. Exame físico revela mulher com sobrepeso em leve angústia secundária à dor abdominal em quadrante superior direito. Sem posição antalgica, descreve a dor como semelhante as dores de parto. Os achados pertinentes ao exame incluem: aparelho repiratório normal, cardíaco normal, abdominal  presença de ruídos hidroaéreos, ausência de sinais de peritonite á palpação todos quadrantes. Apresenta defesa a palpalção do hipocôndrio direito durante a inspiração (sinal de Murphy presente). Exame retal normal, pesquisa de sangue oculto nas fezes negativa. Valores laboratoriais pertinentes: glicose 110 mg / dl, fosfatase alcalina 120 U / L, alanina aminotransferase (ALT) 25 U / L, aspartato aminotransferase (AST) 25 U / L, gama glutamil transferase (GGT) 20 U / L, bilirrubina direta 0,1 mg / dL, bilirrubina total 0,5 mg / dL, lipase 20 U / L.

O médico de emergência realiza ultrassonografia do quadrante superior direito do abdome (Imagem 7.2) e encontra cálculos biliares, sem espessamento da parede da vesicula biliar ou fluido pericolecístico associados. Além disso, a paciente tem  ” sinal sonográfico de Murphy”: há sensibilidade abdominal máxima quando a sonda de ultrassom é pressionada sobre a vesícula biliar visualizada.

Um acesso IV foi puncionado e a paciente recebeu um bolus de fluido isotônico. Além disso, cetorolaco 30 mg IV e ondansetron 4 mg IV foram administrados. Ao longo de uma hora os sintomas foram resolvidos. Em virtude da ausência de inflamação ou infecção da vesícula biliar, a paciente recebeu alta do departamento de emergência e foi referida ao cirurgião geral para colecistectomia eletiva. Foi informada  que sua dor pode retornar, mas se prolongada, associada a febre ou icterícia deve retornar para o departamento de emergência.

Ações críticas beira-leito e Abordagem geral

Dor abdominal é uma queixa comum no departamento de emergência e pode ser desafiador para o diagnóstico. A apresentação das doenças podem variar de quadros benignos autolimitados a verdadeiras emergências cirúrgicas. A prioridade é avaliar a estabilidade do paciente. Use histórico, a probabilidade de doença, sinais vitais e exame físico para auxiliar na determinação se um paciente pode ter uma doença séria ou emergência cirúrgica. Por exemplo, um início repentino de dor lacerante irradiando para as costas em um paciente mais velho com uma história de hipertensão pode sugerir uma dissecção de aneurisma da aorta abdominal, mas a dor em cólica associada à distensão abdominal pode sugerir obstrução intestinal. Febre, vômito prolongado, síncope ou perda de sangue gastrointestinal devem todos aumentar a suspeita de doença grave. Além disso, é importante excluir gravidez e suas complicações em qualquer mulher em idade fértil que apresente dor abdominal. Nesse caso, a paciente apresentava cólica biliar clássica e cálculos biliares documentados. A dor foi devido a cristais ou uma pequena pedra passando e / ou bloqueando o ducto cístico. Baseado na resolução da dor, anormalidades presentes no exame de ultrassom, como fluido pericolecístico ou espessamento de parede e valores laboratoriais normais, seria seguro encaminhar este paciente para colecistectomia eletiva. Durante o curso da conduta, é muito importante diferenciar situações críticas de doença da vesícula biliar não complicada. Além disso, os médicos devem pensar em medicação precoce para dor para confortar o paciente.

Diagnósticos Diferenciais

Dor no quadrante superior direito pode ser de origem biliar incluindo colelitíase: cálculos biliares sem inflamação, colecistite: inflamação ou infecção da parede da vesícula biliar ou colangite: inflamação ou infecção dos ductos biliares. Pancreatite independente ou como uma consequência da obstrução do ducto biliar comum por cálculo biliar, coledocolitíase, podem se apresentar de forma semelhante também. Hepatite, gastrite, dispepsia, úlcera péptica são outras causas gastrointestinais potenciais de dor no quadrante superior direito. Apendicite, especialmente em pacientes grávidas podem apresentar sintomas de dor no quadrante superior direito. Doenças não abdominais como pneumonia ou pleurisia no pulmão direito pode se apresentar com dor no quadrante superior direito.

Dicas de História Clínica e Exame Físico

“Uma mulher de 35 anos comparece ao pronto-socorro com dor abdominal em quadrante superior direito, há duas horas. Com início várias horas após ingesta de uma grande refeição. Devido ao aumento da dor e náusea  ela procura atendimento para avaliação. Nega vômito, febre ou disúria. Antecedentes patológicos diabetes tipo II controlado por dieta, dislipidemia e hipertensão. IMC é 33. Em uso do medicamento lisinopril 10 mg por dia. Nunca fez cirurgia. Sua história social não é digna de nota. Nega etiilismo e tabagismo. Refere ter inciado dieta, com perda de peso recente.”

Os cálculos biliares são de duas a três vezes mais comuns em mulheres, especialmente durante idade fértil. O risco de cálculos biliares também aumenta com a idade. Obesidade ou Índice de Massa Corporal (IMC) superior a 30 é associado a maior formação de cálculos biliares. Diabetes tipo II está associada com obesidade, hiperlipidemia e hipomotilidade da vesícula biliar. Pacientes diabéticos estão em risco aumentado de pancreatite. Dietas com pouca fibra e muito carboidrato e gordura foram associadas à formação de cálculos biliares. Isso pode, em parte, explicar diferenças regionais na formação de cálculos biliares.

“Temperatura de 37°C, pressão arterial: 110/70 mmHg, pulso: 90 batimentos por minuto. Exame físico revela mulher com sobrepeso em leve angústia secundária à dor abdominal em quadrante superior direito. Sem posição antalgica, descreve a dor como semelhante as dores de parto. Os achados pertinentes ao exame incluem: aparelho repiratório normal, cardíaco normal, abdominal  presença de ruídos hidroaéreos, ausência de sinais de peritonite á palpação todos quadrantes. Apresenta defesa a palpalção do hipocôndrio direito durante a inspiração (sinal de Murphy presente). Exame retal normal, pesquisa de sangue oculto nas fezes negativa.”

Pacientes com cólica biliar apresentam dor em cólica, moderada a grave no quadrante superior direito sem sinais de irritação peritoneal. Apesar de descrita como cólica, a dor pode ser mais constante devido a  obstrução do fluxo biliar com subsequente distenção. Os pacientes podem parecer inquietos e incapazes de encontrar uma posição confortável. O sinal de Murphy (a cessação repentina de uma inspiração profunda quando a vesícula biliar inflamada desce e atinge os dedos dos examinadores palpando a área subcostal direita) é 65% sensível e 87% específico para colecistite aguda. A febre não é típica, e icterícia é raramente vista a menos que haja obstrução do ducto biliar comum por coledocolitíase ou compressão extrínseca por tumor ou inflamação.

Testes Laboratoriais

“Valores laboratoriais pertinentes: glicose 110 mg / dl, fosfatase alcalina 120 U / L, alanina aminotransferase (ALT) 25 U / L, aspartato aminotransferase (AST) 25 U / L, gama glutamil transferase (GGT) 20 U / L, bilirrubina direta 0,1 mg / dL, bilirrubina total 0,5 mg / dL, lipase 20 U / L.”

Fosfatase alcalina (FAL) é sintetizada pelas células epiteliais do ducto biliar. Sua produção é estimulada pela obstrução do ducto biliar e é elevada na maioria dos pacientes com colestase. No entanto, isoenzimas são encontradas no fígado, osso, placenta, intestino delgado e leucócitos; Portanto, não é específico para o trato biliar.

A bilirrubina é um produto de degradação do heme. A bilirrubina não conjugada é hidrofóbica e é transportado no sangue ligada à albumina. É absorvida pelo hepatócito, conjugada e ativamente secretada no trato biliar. A colestase pode elevar a bilirrubina sérica.

As aminotransferases; aspartato aminotransferase (AST) e alanina aminotransferase (ALT) são encontrados no fígado, músculo cardíaco e esquelético, e células nervosas cerebrais. Níveis dessas enzimas são tipicamente levemente elevados mas podem ser acentuadamente aumentados em colangite. ALT pode aumentar brevemente durante obstrução aguda, mas geralmente não é elevada a menos que haja dano hepático  parenquimatoso secundário. Um nível AST maior que o nível de ALT sugere doença hepática alcoólica, cirrose ou doença metastática.

A gama-glutamil transpeptidase (GGT) é uma peptidase ligada à membrana que hidrolisa peptídeos em aminoácidos e peptídeos menores. Embora a atividade sérica seja principalmente do fígado, é encontrada no túbulo proximal renal, pâncreas e intestino. Sua meia-vida circulante é geralmente de 7-10 dias, mas pode aumentar para 28 dias em doença hepática associada ao álcool. A doença colestática pode elevar GGT significativamente. Uma contagem de glóbulos brancos completa, eletrólitos séricos, glicose renal, estudos de função e urinálise podem auxiliar no diagnóstico e na conduta.

Modalidades Imaginológicas

“O médico de emergência realiza ultrassonografia focalizada no quadrante superior direito e encontra cálculos biliares sem espessamento da parede da vesícula biliar ou fluido pericolecstico associados. Além disso, a paciente tem “sinal sonográfico de Murphy”: há sensibilidade abdominal máxima quando a sonda de ultrassom é pressionada sobre a vesícula biliar visualizada.”

A radiografia simples geralmente não é útil para avaliar cálculos biliares, pois a maioria não contém cálcio suficiente para ser visível em radiografia simples. Imaginologia simples pode ser útil para identificar gás na árvore biliar ou evidência de obstrução intestinal.

Raio X (Imagem 7.3) mostra achados relativamente normais em paciente com dor em quadrante superior direito e abdome. A tomografia computadorizada da mesma paciente é mostrada abaixo. Revelou colecistite (Figura 7.5).

Imagem ultrassonográfica do quadrante superior direito é o principal estudo usado para avaliar dor do tipo biliar, detectar doença da vesícula biliar e dilatação biliar.

Existem vários critérios ultrassonográficos para colecistite aguda;

  • presença de cálculos biliares,
  • parede da vesícula biliar espessada ,
  • fluido pericolecístico,
  • sinal ultrassonográfico de Murphy,
  • dilatação do ducto hepático comum.

Na colecistite aguda, os cálculos biliares estão presentes em 95-99% dos casos. Médicos de emergência, realizando ultrassonografia focada, beira-leito e tendo em conta o contexto do paciente, história e quadro clínico têm documentado uma sensibilidade de 90-96%, especificidade de 88-96%, bem como um valor preditivo de 88-99% e um valor preditivo negativo de 73-96% para colecistite. (Imagem 7.4)

A TC (Imagem 7.5) não é tão acessível, nem útil como a ultrassonografia do quadrante superior direito na avaliação do sistema biliar para evidências de colecistite. A sensibilidade para cálculo biliar é cerca de 75% e coledocolitíase pode não ser detectada. Pode ser útil para revelar complicações como colecistite gangrenosa ou enfisematosa, bem como para excluir outras patologias abdominais.

Opções de Tratamento de Emergência

“Um acesso IV foi puncionado e a paciente recebeu um bolus de fluido isotônico. Além disso, cetorolaco 30 mg IV e ondansetron 4 mg IV foram administrados. Ao longo de uma hora os sintomas foram resolvidos. Em virtude da ausência de inflamação ou infecção da vesícula biliar, a paciente recebeu alta do departamento de emergência e foi referida ao cirurgião geral para colecistectomia eletiva. Foi informada  que sua dor pode retornar, mas se prolongada, associada a febre ou icterícia deve retornar para o departamento de emergência.”

Cálculos biliares assintomáticos não requerem nenhum tratamento. A maioria continua assintomática por anos após o diagnóstico. Cerca de 1-2% pode se tornar sintomático anualmente.

A cólica biliar ou dor biliar, tipicamente tem início definitivo com duração variando de 15 minutos a até quatro horas. Antieméticos e antiinflamatórios não-esteróides (AINEs) são terapias de primeira linha. De fato, estudos sugerem que os AINEs têm eficácia semelhante aos opioides com menos complicações. Opioides podem ser usados para controlar a dor. Embora, houvesse preocupações históricas sobre a morfina causando maior espasmo no esfíncter de Oddi em relação a outros opioides, todos os opioides aumentam a pressão no esfíncter de Oddi e a pressão biliar em algum grau. Se a dor do paciente é resolvida e controlada com agentes orais, eles podem ter alta e serem  encaminhados a um cirurgião geral para consideração de colecistectomia laparoscópica eletiva.

A colecistite aguda é melhor administrada no hospital com consulta cirúrgica. A colecistectomia laparoscópica precoce é muitas vezes o tratamento de escolha. Não deve ser oferecido nada oral para o paciente. Em torno de 20% dos pacientes desenvolvem infecção da vesícula biliar ou do ducto biliar. Terapia adequada de antibióticos,  incluem cefalosporinas de segunda e de terceira geração, carbapenêmicos, combinações ß-lactâmicos / inibidores de ß-lactamases ou uma combinação de metronidazol e uma fluoroquinolona. A maioria dos pacientes melhorará de 24 a 72 horas antes da intervenção cirúrgica.

Colangite, uma infecção do ducto biliar, é uma doença com risco de morte que requer ressuscitação ativa, antibióticos e drenagem precoce por meio de  colangiopancreatografia retrógrada endoscópica (CPRE) com esfincterotomia ou implantação de stent ou drenagem percutânea guiada para estabilizar o paciente antes da cirurgia.

Considerações Para Pacientes Pediátricos, Geriátricos E Gestantes

Nenhuma além das mencionadas anteriormente.

Tomada de decisão

Admissão

Pacientes com suspeita de colecistite ou colangite devem ser admitidos no hospital. Para suspeita de colangite, consulta de emergência, e se necessário, transferir para uma instalação que pode estabelecer drenagem biliar através de esfincterotomia por CPRE ou stent percutâneo guiado.

Alta

Pacientes com cólica biliar podem receber alta quando seus sintomas forem resolvidos, com encoaminhamento para acompanhamento de um cirurgião geral. Devem ser informados de que pode haver recidiva dos sintomas e serem instruídos a retornar se sentirem dor, febre ou icterícia.

Referência

Casos de cálculos biliares assintomáticos não precisam ser encaminhados a um cirurgião. O paciente deve ser informado de suas descobertas e instruído a seguir com seu médico de cuidados primários.

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