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Uma mulher de 65 anos da Etiópia está visitando seus netos pela primeira vez na Europa. Ela está em um bom estado geral, é ativa fisicamente e possui uma pequena fazenda em seu país de origem. A paciente nega o uso de qualquer mediação e não se recorda da última vez em que foi a uma consulta médica. Ela relata dificuldade para mastigar iniciada 3 dias após seu desembarque na Inglaterra, descrevendo isso como uma “rigidez na boca”.

Pergunta 1: Qual o diagnostico diferencial e como você diagnosticaria cada um?

Tétano – diagnóstico clínico e a apresentação deste caso.

A bacteriologia não seria uma boa opção, já que o organismo frequentemente não é encontrado, além de que uma cultura positiva para Clostridium Tetani não prova que ele é produtor de toxina.

  • Arterite temporal – verificar a taxa de sedimentação de eritrócitos;
  • Abcesso dentário – examinar;
  • Intoxicação por Estricnina – avaliar a história, que provavelmente se dará de forma repentina e continua, e averiguar os níveis na urina. Terapia de apoio deve ser iniciada;
  • Reações distônicas – histórico de uso de drogas, teste de benzatropina;
  • Síndrome da pessoa rígida – mais utilizado como diagnóstico de exclusão, apesar de a presença de anticorpos contra a enzima glutamato descarboxilase serem a melhor indicação para tal quadro, que podem ser detectados via sangue e/ou liquido cefalorraquidiano. Anticorpos para GAD65 são encontrados em aproximadamente 80 por cento dos pacientes que possuem a Síndrome da Pessoa Rígida. Imunoglobulinas anti-tireoideanas, anti-fator intrínseco, anti- nucleares, anti-RNP e anti-gliadina também são achados comuns em exames de sangue. Uma eletromiografia pode confirmar o diagnóstico ao notar que espasmos em músculos distantes são resultados de uma estimulação subconsciente de nervos cutâneos ou misturados.
  • Epilepsia – avaliar eletroencefalograma;
  • Psicogênica – avaliar na apresentação do paciente e na sua história possíveis episódios estressantes recentes;
  • Meningismo – sinais clínicos, atentar para indicadores de inflamação.

Pergunta 2: Porque a doença acometeria inicialmente os músculos da mastigação e qual é a sua fisiopatologia?

Tétano generalizado com espasmos musculares é um caso de fácil diagnóstico, não obstante pacientes inicialmente apresentam os músculos da mastigação como um dos primeiros atingidos, principalmente devido ao fato de estes terem os menores nervos motores.

Fisiopatologia:

A Clostridium tetani é uma bactéria gram positiva obrigatoriamente anaeróbia com um terminal em esporo (quando observado em cultura, relata-se como um formato semelhante a uma raquete de tênis) que é onipresente no ambiente. Os esporos são altamente resistentes ao meio e são transmitidos para seres humanos por meio de ferimentos.

A bactéria produz duas toxinas: a tetanolisina e a tetanoespamina. Tetanospamina liga-se a membrana pré-sinaptica de um nervo e impede que a vesícula sináptica libere GABA e glicina (transmissores de inibição). A tetanospasmina pode viajar de forma retrógrada pelo axônios até os corpos celulares e atravessar sinapses até alcançar a medula espinhal e o encéfalo. Esta toxina pode também penetrar na corrente sanguínea, espalhando-se para outros músculos e acometendo também os nervos destes.

Pergunta 3: Qual é o tempo de incubação médio?

O tempo médio de incubação é de em média 10 dias, mas a manifestação da doença pode ocorrer entre 1 a 2 dias se o ferimento for no rosto até 21 dias após o corte se o ferimento for mais distal, com inoculação mínima.

Pergunta 4: Quais as 4 síndromes que podem se manifestar?

– Generalizada (ROAST)

  • Rigidez;
  • Opistótono;
  • Disfunção do sistema nervoso autônomo (hipertensão, taquicardia, arritmias e hiperpirexia);
  • Espasmos; Geralmente são uma exacerbação da rigidez já existente e ocorrem na doença mais severa, seja como resposta reflexa a um estímulo (toque, sons) ou de forma espontânea – faltou essa parte aqui
  • Trismo.

A recuperação pode levar até 4 semanas. Casos fatais podem alcançar o índice de 60% sendo as principais causas para a morte a parada respiratória, disfunção do sistema nervoso autônomo e laringoespasmos.

Neonatal – Cobrem cerca de 50% dos casos. Caso a mãe não seja imunizada para tétano, o evento se desenvolve entre 1 a 10 dias após o parto e a mortalidade é de 90%. A infecção geralmente se dá pelo contágio da ferida umbilical (algumas culturas colocam esterco no coto). Inicialmente nota-se irritação, má alimentação, fraqueza generalizada e flacidez. Tardiamente é possível perceber os espasmos, opistótono, e hiperatividade simpática paroxística. Os sobreviventes cursam com retardo mental.

Localizada – Rigidez muscular próxima ao ferimento e ocasionalmente fraqueza caso a toxina aja na junção neuromuscular. Pode ser de baixa intensidade e perdurar por meses, mas há a possibilidade de evoluir para a forma generalizada.

Cefálica – Um caso mais raro, é associada com uma lesão no crânio ou a uma otite média. O tempo de incubação é de 1 a 2 dias e é procedida por paralisa dos nervos cranianos.

Pergunta 5: Como se deve tratar estas condições?

  • Imunoglobulina para tétano (Ig humana a 150 UI/kg via intramuscular ou Ig equina entre 104 a 106 UI intramuscular).
  • Os ferimentos devem ser desbridados para evitar futuras germinações de esporos.
  • Deve ser administrado de forma preferencial o Metronidazol para evitar a multiplicação da bactéria. A penicilina é usada amplamente ao redor do mundo, mas ela possui um caráter antagonista ao GABA.
  • Terapia de suporte – pode ser necessário a intubação do paciente com altas dosagens de benzodiazepínicos e baclofeno. Deve-se utilizar relaxantes muscular não-despolarizantes apenas se necessário. A disfunção do sistema nervoso autônomo é o mais complicado e por isso deve-se optar por agentes de rápida ação, como o labetalol, o esmolol e o trinitato de glicerila (GTN). A atropina e marca passos foram utilizados algumas vezes contra a bradicardia. O uso de magnésio intravenoso também tem sido reportado pois este pode reduzir a necessidade de relaxantes musculares e influenciar no controle de algumas manifestações cardiovasculares.

Pergunta 6: Quais são os indicadores de diagnósticos negativos?

  1. Período de incubação menor que 7 dias;
  2. Manifestação dos sinais em menos de 48 horas;
  3. Entrada do microrganismo via ferida umbilical, útero, queimaduras, fratura exposta ou injeção intramuscular;
  4. Espamos;
  5. Temperatura corporal acima de 38.4 °C;
  6. Frequência cardíaca superior a 120 em adultos ou superior a 150 em neonatos.

Pergunta 7: Como é possível prevenir esta condição?

Vacinação

O tétano é uma doença altamente prevenível através da vacinação. A maior incidência desta enfermidade se dá na região Sudeste da Ásia e 90% das mortes ocorre no grupo de crianças menores de 5 anos. Os infantes devem receber a vacina como forma de imunização de rotina, junto com a de difteria e coqueluche, seguida de um reforço entre 4 a 7 anos e um outro na adolescência. Uma única dose de reforço durante a vida adulta é o suficiente para a proteção permanente contra esta doença. Entretanto, a maioria dos países recomenda uma dose de reforço a cada 10 anos e caso um ferimento seja propicio a infecção tetânica, é recomendado mais um reforço se não houver nenhuma dose aplicada nos últimos 5 anos.

Uma única dose de toxoide em mulheres gravidas leva a proteção tanto da mãe quanto do neonato, enquanto que mães não imunizadas devem idealmente receber duas doses em um intervalo de 4 semanas durante a gravidez.

Pergunta 8: O que é um ferimento propenso à infecção por tétano?

  • Ferimentos ou queimaduras que necessitem de intervenção cirúrgica mas que esta se atrase por mais de 6 horas;
  • Ferimentos ou queimaduras que apresentem um grau significante de desvitalização do tecido ou uma lesão no estilo de punção, particularmente quando há o contato com o solo ou estrume;
  • Ferimentos contendo corpos estranhos;
  • Ferimentos múltiplos e
  • Ferimentos ou queimaduras em pacientes em quadro de sepse.

Pergunta 9: O que seria um ferimento de alto risco que necessita da imunoglobulina para tétano?

Uma lesão de alto risco para tétano seria um dos ferimentos citados no tópico anterior com algum material em que haja altas chances de possuir esporos de tétano e/ou com uma grande parte de tecido morto. Nestes casos faz-se necessária a utilização da imunoglobulina tetânica, tendo em mente que a vacina contra tétano não iria conferir a proteção necessária para o paciente dentro do período de incubação do microrganismo.

Apesar de todos os ferimentos apresentarem probabilidades de uma infecção tetânica, as lesões limpas possuem suas chances desprezadas.

Resolução do caso

A paciente foi tratada com metronidazol e a toxoide do tétano, mas ela continuou apresentando espasmos severos. A paciente foi então transferida para a unidade de cuidados intermediários e tratada em uma sala escura com doses moderadas de benzodiazepínicos. Não foi necessária a intubação e após 10 dias a paciente recebeu alta do hospital. Após 3 meses da resolução do caso a paciente ainda relatava uma leve rigidez.

Texto Original: Life In The Fast Lane

Tradução: Victor Mesquita

Autor: Neil Long

Revisado por: Arthur Martins

Referencias:

    Beeching N and Gill G. Lecture Notes – Tropical Medicine. 7e Wiley Blackwell 2014.

Eddleston, Davidson, Brent, Wilkinson. Oxford Handbook of Tropical Medicine. Oxford    Medical Handbooks. 4e 2014

Matthews PC. Tropical Medicine Notebook. Oxford University Press, 2017

The Green Book: Tetanus

Rothe C. Clinical Cases in Tropical Medicine. Elsevier 2015. ISBN 9780702058240