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Refletindo sobre as minhas 4 semanas no Departamento de Emergência da NYU/Bellevue, eu comecei a pensar quais dicas eu “me daria” no início do estágio, com a visão de quem já passou pelo mesmo. No que eu prestaria mais atenção? Quais erros eu tentaria não repetir? Foi assim que eu criei uma lista com 4 lições que aprendi e erros que cometi. Eu compartilho essas anedotas com a esperança que outros estudantes possam aprender com minhas experiências, e que os residentes possam se lembrar o quão estranhas são as novas experiências que os estudantes de medicina vivenciam em uma emergência.

A Mente do Emergencista

Lição No 1: Preste atenção nas pequenas coisas

Como estudante de medicina, nós normalmente nos sentimos completamente perdidos e inadequados, porém nós temos uma coisa que os médicos não tem – TEMPO! TOME O TEMPO QUE FOR PRECISO! Preste atenção nas pequenas coisas que os residentes e enfermeiras, normalmente ocupados, possam ter deixado passar. Exemplo: Um homem russo, fluente em inglês, estava sendo investigado para síndrome coronariana aguda. Ele me chama para chegar mais perto do leito. Ele está com uma cara estranha e apertando seu peito. Eu vou até ele, preocupado que ele esteja tendo um infarto ou talvez uma dissecção de aorta (como vou saber?). Será que incomodo o residente para dar uma olhada? Ele diz, “Aqui, aqui” enquanto aponta para seu peito. Mil coisas passam pela mente, mas finalmente me dou conta que ele está apontando para um eletrodo puxando um pêlo do seu peito, obviamente causando sua dor. Eu removo o eletrodo e coloco em uma área perto de onde estava; ele sorri. Talvez eu não estivesse preparado para intubá-lo caso necessário, porém eu tive tempo para cuidar de um pequeno detalhe que pode ter tido um grande impacto no cuidado do paciente.

Lição No 2: Não aceite nada menos que respeito, mesmo dos pacientes.

A relação médico-paciente é especial, mas ela deve ser uma via de duas de mãos. Uma noite, me chamaram para triar um homem de meia-idade, emagrecido e claramente alcoolizado. Eu pergunto a ele o que o trouxe à Emergência durante a madrugada, e ele me responde, “Baby, eu sou uma estrela do Rock. Eu faço muita festa. Tanta festa que eu tive que vir aqui para que eu possa fazer mais festa”. Eu repito minha pergunta, de um modo diferente, para qual ele responde “Você tem que fazer festa comigo… você não sabe o que eu posso fazer com você”, apontando para uma salinha do departamento. Eu sorrio, meio sem saber o que fazer, saio, e vou falar com uma residente com a qual me sinto confortável em perguntar o que eu devo fazer em uma situação como essa. Eu estava realmente brava, em choque, e eu com certeza daria um tapa na cara dele caso isso não fosse um ato não profissional. A dica que recebi foi simples e direta: “Você precisa dizer, ‘Senhor, isso é um comportamento extremamente inadequado. Nós esperamos que o senhor trate a gente com o mesmo respeito que nós tratamos você.’” Talvez possa demorar algum tempo para treinarmos confrontações diretas com pacientes como esse, mas o importante é ter a confiança de que você merece o mesmo respeito no hospital que você merece em qualquer outra situação social.

Lição No 3: Não tenha medo e se desfaça de maus hábitos

Um homem de meia-idade, charmoso, usando uma regata preta e uma calça jeans apertada, se apresenta com uma possível fratura de costela. Enquanto entrevisto ele, duas coisas se tornam óbvias. Primeiro: ele era um viciado em drogas e estava sob efeito das mesmas na noite em que quebrou sua costela.  Segundo: apesar de seu uso de drogas, ele acha tempo para passar horas na academia todos os dias – ele tem um corpo de personal trainer. Eu passei algum tempo com ele, perguntando sobre sua vida, sua família… e seu uso de drogas. Ele sabia de seus problemas e me perguntou sobre opções de reabilitação. Os leitos para reabilitação de usuários de drogas na Bellevue são dados por ordem de chegada e a demanda é bem maior que a estrutura disponível. Pois então, eu decido tomar um decisão diferente, embora pareça um pouco desconfortável e arriscada. Eu o pergunto se ele se preocupa com sua aparência (eu e todo mundo já sabíamos a resposta). Ele responde, “Claro, eu preciso parecer bonito, todos meus amigos são bonitos”. Eu pego meu iPhone e mostro uma foto de usuários antes e depois do uso de drogas. Mostrei a pele enrugada, os dentes podres, a perda de cabelo, e os rostos afundados dos usuários crônicos de drogas. Seu queixo literalmente cai e ele fica encarando as fotos no celular. “Isso pode realmente acontecer? Você está de brincadeira comigo?” Bom, sendo realistas, essa pode não ter sido a última vez que ele usou drogas, porém eu sei que agora ele possui alguma motivação para parar de usar.

Lição No 4. Confie em seus instintos, mas mantenha sua mente aberta.

Me chamaram para ver um homem de 22 anos usando uma camiseta branca meio suja. Eu o pergunto o porquê de ele estar aqui, e ele conta sua história. Ele estava em um bar, saiu na rua para pegar um ar, foi espancado e acabou machucando seu joelho. Alguns minutos depois, sua história muda – ele estava caminhando para um bar quando de repente foi puxado por uma multidão, batendo seu joelho no meio-fio da calçada. Embora sua história siga mudando, algumas coisas se mantém: A) seu joelho dói B) ele cheira a álcool, se atrapalha com as palavras, mas alega ter tomado somente uma taça de vinho C) ele volta e meia insiste que nada está errado e que gostaria de ir embora, e D) minha paciência estava acabando, já que eram 3:30 da madrugada. Fiz meu exame físico e conclui que o seu joelho direito estava bem, sem deformidades óbvias, amplitude de movimento normal, palpação normal, etc. Diagnóstico: ele estava somente bêbado e chato. Ele estava ainda mais irritante durante o exame – ele levantava a perna esquerda, mas pretendia não ser possível levantar a direita. “Vamo lá… Eu sei que você é mais forte que isso, eu vi você caminhando até aqui, levante essa perna! Você pode fazer isso!” Uma hora depois, o raio-X fica pronto, sua patela aparece em 5 pedaços, e seu joelho do tamanho de uma bola de beisebol. Eu estava completamente errada. Pedi desculpas ao homem, me senti terrível, e contei para minha residente o que tinha feito. O feedback que recebi foi: Confie nas suas intuições, mas tente não fazer julgamentos absolutos. Tinham 10-20 outros pacientes alcoolizados naquela noite, mas eu julguei meu paciente muito rápido. Não, os pacientes não são os mesmos, e não interessa se é 3 da manhã e você não acredita na história, cave mais fundo e mantenha sua mente aberta. E caso você deslize, seja humilde suficiente para se desculpar, aprender com seus erros, e compartilhar com alguém que possa aprender com seus erros.

Embora tenha aprendido essas quatro lições no Departamento de Emergência, eu acho que elas são universalmente aplicáveis para qualquer cenário, seja no hospital ou em casa. Tome seu tempo para prezar pelas outros, pedindo por respeito, sendo criativo na resolução de problemas, e tendo a mente aberta – não precisa ter um diploma de médico para praticar essas lições – tudo que é preciso é ter um cérebro e um coração. E, mais importante, requer algumas oportunidades para cometer os seus próprios erros, aprender com os mesmos, e ensinar essas lições para alguém no futuro.  

Texto Original: CORE EM

Autor: Jackie Hirsch

Traduzido por: Lucas Oliveira Junqueira e Silva

Revisado por: Daniel Schubert

Editado por: Henrique Puls e Hilary Fairbrother