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Quando você deita na cama à noite e começa a refletir sobre o seu trabalho, o que vem a sua mente? Aquele paciente com o hemograma alterado que você não investigou? Quando você prescreveu a dose errada de medicamentos para um paciente? Aquela criança que morreu inesperadamente e você se perguntou se poderia ter feito algo diferente?

EM Mindset

Nos últimos 10 anos, os profissionais de saúde começaram a reconhecer publicamente que erros acontecem; e acontecem frequentemente. A quantidade de pesquisa em tipos de erros e em como preveni-los aumentou explosivamente. Todos nós agora somos treinados para um discurso aberto – se antes, nossos erros eram varridos para debaixo do tapete, agora somos honestos em relação a eles. Mais transparência. Mais responsabilidade. Mais noticiários divulgando detalhadamente os erros.

Mas isso é apenas uma parte do cenário. Embora o principal impacto dos erros seja o paciente, existe uma “segunda vítima”: o médico. Todos nós cometemos erros. Eu sou médica há 14 anos e errei muito. Mas é difícil falar sobre isso, devido à vergonha, ao constrangimento e ao sentimento de falibilidade. E de fato não faz parte da nossa cultura falar sobre nossos erros. Quando eu entrei em contato com empresas de indenização, eu fui orientada a não falar publicamente sobre os erros que cometi. Isso define o tom de como os médicos se sentem sobre esse assunto.

Cometer um erro nos traz sentimentos complexos: vergonha, humilhação, medo, incerteza, culpa e inadequação. Esses sentimentos têm impacto no nosso trabalho: levando à redução da satisfação no emprego, interferindo no padrão de sono e nos tornando ansiosos em relação à possibilidade de erros futuros. Isso pode ter um efeito de meses e até anos, contribuindo para várias sensações como baixa autoestima e burnout.

Aqueles que cometem erros podem acabar repetindo a situação diversas vezes na sua cabeça, sem qualquer expectativa de progresso, apenas revivendo os cenários, o erro e as consequências de errar novamente.

Aqui discutiremos uma abordagem para lidar com os erros:

Em primeiro lugar: lembre-se de que erros acontecem.

Perspectiva é importante. Nós somos seres humanos e nós iremos cometer erros. É inevitável. Considere o número de pacientes que você atende, exames que você solicita, medicamentos que você prescreve, observações que você pontua. Você não pode ter uma média perfeita de tudo isso.

Evite reações contraproducentes

Evitar o paciente não irá ajudar.  Um dos melhores conselhos que eu recebi (e o crédito por isso vai para Joe Lex) é passar mais tempo com os pacientes dos quais você não gosta. O “não gostar” pode ser devido ao fato de eles serem grossos, negativos, desafiadores, de você não conseguir resolver os problemas deles ou, nesse caso, porque você cometeu um erro. Encarar o paciente geralmente é mais simples do que evitá-lo e aumentar o seu sentimento de culpa.

Repressão emocional: Não engula toda a situação e leve a sua vida como se nada tivesse acontecido. Geralmente, isso não é um plano sustentável. Existe uma tendência na medicina de encarar as situações como se elas não fossem nada demais, e seguir trabalhando normalmente. É claro que existem outros pacientes para serem avaliados, mas é sempre importante tomar o seu tempo e refletir sobre o erro.

Pensar-e-pensar-e-pensar: Ficar repassando o acontecimento incessantemente na sua mente não ajuda. Não muda o que aconteceu. Essas reflexões intrusivas nos atormentam e só causam auto isolamento. Reconheça quando isso estiver acontecendo e quebre o ciclo.

Prática médica defensiva: Um estudo em obstetrícia identificou seis casos de distócia de ombro com morte fetal intraparto. Nos cinquenta partos subsequentes houve um aumento de 36% de cesáreas. É uma reação natural quando um erro ocorre, fazer de tudo para evitar recorrências. Porém, medicina defensiva extrema não é a melhor escolha para os interesses do paciente e pode nos levar a investigações e tratamentos desnecessários.

Dê passos positivos

Aceite a responsabilidade: OK, aconteceu. Você prescreveu o medicamento errado. Não é nada útil ficar preso no pensamento de culpa ou culpando outras pessoas pelo ocorrido (“eu estava distraído”, “estavam me pedindo para fazer várias coisas ao mesmo tempo”). No fim das contas, reconhecer a sua culpa é o primeiro passo para se tornar capaz de seguir adiante. Dito isso, a identificação de um erro pode ser uma oportunidade preciosa para pensar sobre mudanças positivas que podem incrementar o seu conhecimento, sua forma de trabalhar ou o modelo no qual você trabalha.

Fale com as pessoas: necessidade de suporte não é um sinal de fraqueza, mas sim uma forma de usar os seus contatos pessoais e profissionais para lidar com o problema de forma efetiva. Falar com a sua família sobre o seu erro pode ser útil para colocar a situação em outra perspectiva, além de conseguir suporte de alguém que te ama além da medicina. Seus colegas de profissão também podem te ajudar – você irá perceber que eles também erraram várias vezes. Compartilhar esse fardo e reconhecer que errar é normal te ajudará a seguir em frente. Seus amigos e família não são conselheiros, mas podem oferecer suporte.

Dê nome ao problema: se o problema é sua falta de habilidade em suturar, então treine muito para melhorar. Se o problema é que você perdeu um importante traçado no ECG, encontre tempo e estude sobre interpretação de ECG. Se você descobriu uma área clínica onde você não se sente preparado, diga ao seu chefe. Aplicar treinamento adicional na sua área de fraqueza irá ajudá-lo a se tornar um médico melhor, além de minimizar a chance de um segundo erro futuro.

Lute por uma mudança de cultura sobre erros médicos: Cabe a nós mudar a cultura da medicina para a apoiar a equipe quando erros são cometidos. Profissionais irão cometer erros e nós precisamos agir diante de condutas equivocadas. O desafio é balancear a necessidade de se aprender com erros com a necessidade de se tomar medidas disciplinares e investigar os erros quando eles acontecem.

 

Você irá cometer vários erros durante o curso da sua carreira médica. Não deixe eles te definirem. Use-os a seu favor para torná-lo um médico melhor no futuro.

 

Texto Original: Don’t Forget The Bubbles

Autor: Tessa Davis, MD

Traduzido por: Raphael Sales

Revisado por: Daniel Schubert

Editado por: Henrique Puls, MD

Referências

Hoffman, J. Physicians coping after medical error, KevinMD, 2011.

Weiss, PM, Second victim: physician recovery from medical error.

West, CP. How do providers recover from errors? AHRQ, 2008.

White, AA, Gallagher TH. After the apology – coping and recovery after errors, AMA Journal of Ethics, 2011 http://journalofethics.ama-assn.org/2011/09/ccas1-1109.html.