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Estamos publicando um excelente texto do First10EM sobre a abordagem do paciente inconsciente na sala de Emergência.

http://first10em.com/

CASO CLÍNICO

Você é chamado para avaliar um homem de 55 anos que está sendo deixado pelo SAMU na sala de reanimação. Eles foram chamados após a família do paciente o encontrar inconsciente em casa. O Glasgow Coma Scale na chegada é 3…

MINHA ABORDAGEM

O diagnóstico diferencial de alteração do estado mental é muito amplo, principalmente diante de um paciente com uma apresentação aguda que chega na sala de emergência. Eu tento organizar os diagnósticos baseados no quão rápido eles podem matar meu paciente e o quão rápido eu posso tratá-los.

O que poderia matar meu paciente imediatamente?

  • Parada cardiorrespiratória – C;
  • Obstrução de vias aéreas – A;
  • Respiração (oxigenação) – B.

Isso é básico de Medicina de Emergência. O primeiro passo é checar se o paciente tem pulso. Ao mesmo tempo, as enfermeiras estão colocando o paciente em monitorização e coletam todos os sinais vitais. Após isso, eu avalio se a via aérea está pérvia, assim como o padrão respiratório. Caso necessário, eu começo com o básico: manobras de via aérea que me fazem ganhar tempo, como posicionamento, dispositivos orais e nasais, ou o uso da máscara laríngea (eu não vou querer intubar um paciente que necessita apenas de um dextrose 50% ou naloxona). A necessidade de precauções em relação à coluna cervical também deve ser considerada.

OBS: não esqueça de obter a história dos médicos do SAMU antes deles irem embora. O paciente não consegue se comunicar e os paramédicos quase sempre possuem informações importantes.

O que poderia matar meu paciente nos próximos minutos?

  • Hipoglicemia;
  • Overdose;
  • Hipertensão intracraniana e herniação.

Minha primeira prioridade é checar a glicemia, principalmente para que isso não seja esquecido. Em seguida, solicito às enfermeiras que peguem acessos vasculares enquanto eu realizo uma avaliação primária rápida e focada:

  • Neuro: pupilas, movimentos oculares, reflexo corneano, movimentação das 4 extremidades, reflexos, tônus muscular, alguma assimetria?
  • Sinais de herniação iminente: hipertensão, bradicardia e respirações irregulares (tríade de Cushing); postura; midríase (dilatação da pupila) unilateral?
  • Padrão respiratório: regular, Cheyne-Stokes, irregular, apneia?
  • Síndrome de Intoxicação: verificar sinais vitais, pupilas e pele.
  • Sinais de choque: enchimento capilar, pele quente ou fria?
  • Abdome: alguma dor ou massa palpável?
  • Trauma: algum sinal de trauma?

Tudo isso irá ser avaliado em aproximadamente 1 minuto. Nesse momento, eu estou pronto para considerar se alguma intervenção terapêutica imediata é necessária:

  • Hipoglicemia: dextrose 50% 1-2 ampolas IV;
  • Intoxicações (ou suspeita de): Naloxona 0.2-0.4 mg IV a cada 2-3 minutos (se o paciente estiver estável, normalmente eu começo com a menor dose possível (0.04mg IV) para evitar efeito rebote pela retirada rápida de opioides);
  • Sinais de herniação iminente: intubação; realizar analgesia e sedação; elevar a cabeceira do leito; manter respiração com um alvo de pCO2 de 35 mmHg; usar Mannitol 0.5-1 g IV ou solução salina hipertônica a 3%, 2-3ml/kg IV em bolus.

O que poderia matar meu paciente nos próximos 10 minutos?  

  • Ainda o ABC (airway, breathing and circulation);
  • Hipotensão;
  • Anafilaxia;
  • Hipercalemia;
  • Infarto Agudo do Miocárdio;
  • Dissecção de Aorta.

É fácil se perder em meio a tantos diagnósticos diferenciais. Após uma avaliação primária rápida e intervenções iniciais, eu gosto de relembrar que preciso reavaliar o ABC (airway, breathing and circulation). Caso uma causa reversível ainda não tenha sido identificada, eu começo a planejar uma via aérea definitiva. Os dois próximos passos para realizar o diagnóstico é lançar mão do Eletrocardiograma (ECG) e da máquina de ultrassom. O ECG irá nos fornecer informações essenciais para o diagnóstico de isquemia, arritmias, overdoses e hipercalemias. A ultrassonografia à beira do leito pode ser utilizada através do exame RUSH para hipotensão, um exame de aorta e um exame mais focado dependendo dos achados da avaliação primária.

Intervenções nesse momento:  para hipotensão, eu dou fluídos em bolus ou componentes sanguíneos, dependendo do contexto. Caso haja alguma suspeita de anafilaxia, eu faço adrenalina 0.5 mg IM. Caso tenha alguma razão para suspeitar de hipercalemia, ou qualquer alteração bizarra no ECG, eu começo cálcio (2-3 ampolas de gluconato de cálcio IV) empiricamente.

O que poderia matar meu paciente nas próximas horas?  

  • Sepse;
  • Hemorragia intracraniana;
  • Abstinência por Álcool;
  • Status epilepticus (presumidamente não-convulsivo, por eu não tenha reconhecido isso imediatamente);
  • Fasceíte necrozante (olhar por tudo);
  • Abdome agudo;
  • Distúrbios metabólicos (Cetoacidose Diabética, Coma Hiperglicêmico Hiperosmolar, hiponatremia, tireoide, adrenal).

Após a avaliação rápida e o manejo de condições ameaçam a vida, o próximo passo é garantir que o paciente seja adequadamente ressuscitado antes da viagem inevitável para realizar uma Tomografia Computadorizada (TC). Uma via área definitiva deve ser estabelecida antes de ir para a radiologia. Qualquer sinal de choque deve ser manejado com fluidos, sangue e/ou vasopressores. A coleta do sangue, provavelmente já obtida de forma reflexa pelas enfermeiras, deve ser enviada para análise.  A menos que tenha um diagnóstico alternativo claro, eu começo antibioticoterapia empírica para todos pacientes. (O uso do Aciclovir também pode ser considerado, pensando em encefalite herpética). Status epilepticus não convulsivo é um diagnóstico difícil de ser feito, porém merece consideração específica.

É importante usar todas as fontes de informação, incluindo prontuários antigos, família, amigos e médicos/técnicos do pré-hospitalar. Eu também costumo perder alguns minutos a mais para realizar um exame físico mais minucioso, e me assegurar que cada centímetro da pele do paciente foi examinado. Caso a temperatura inicial do paciente tenha sido medida perifericamente, eu solicito que seja feita uma medida central. Eu também procuro especificamente por informações como pulseiras de alerto médico, lista de medicações, ou qualquer informação que possa estar escondida entre os pertences do paciente. A punção lombar (PL), embora um possível teste necessário, não é um teste de emergência. Em pacientes graves, geralmente é melhor iniciar uma terapia empírica e se preocupar com a PL posteriormente. Finalmente, uma vez que o paciente estabilizou, eu o levarei para a TC para obter imagens do seu cérebro (assim como de qualquer órgão que tenha sido indicado pelo exame primário).

O que eu posso estar deixando passar?

Após descartar condições ameaçadoras da vida, iniciar tratamentos empíricos e levar o paciente para TC, eu devo focar em passar por toda lista de diagnósticos diferenciais. Como eu odeio usar mnemônicos, caso eu ainda não tenha descoberto a causa do problema nesse momento, normalmente pegarei meu telefone e usarei o terrível mnemônico AEIOU TIPS:

AEIOU TIPS

Esse mnemônico não é útil para gravar na memória. A maioria das letras se refere a mais de uma etiologia possível, e a letra I aparece duas vezes (mas, na verdade, representa menos etiologias que outras letras). Não existe maneira de você evocar de fato essa lista da memória em situações de emergência. Entretanto, pode ser útil como um checklist após completar a reanimação inicial.

DICAS

Junto da antibioticoterapia empírica, existem outras terapias empíricas que devem ser consideradas ocasionalmente dependendo da velocidade e da disponibilidade de avaliação: tiroxina para um possível mixedema, dexametasona para uma crise adrenal, benzodiazepínicos para um possível status epilepticus não-convulsivo e antídotos específicos para qualquer síndrome de intoxicação suspeita.

OUTROS RECURSOS #FOAMed (EM INGLÊS)

Altered Mental Status on EMBasic

Approach to: Altered Mental Status on EMin5

Killer coma cases part 1 (the found down patient) and part 2 (the intoxicated patient) on Emergency Medicine Cases

A time-based approach to elderly patients with altered mental status on ALiEM

Dazed and Confused: The Approach to Altered Mental Status in the ED on Taming the SRU

The Pupil Exam in Altered Mental Status on PEMBlog

The Pupil Exam in Altered Mental Status from Brad Sobolewski on Vimeo.

REFERÊNCIAS

Bassin BJ, Cooke JL, and Barsan WG. Chapter 94. Altered Mental Status and Coma. In: Adams JG ed. Emergency Medicine Clinical Essentials, 2e. Philadelphia: Elsevier Saunders; 2013.

Odiari EA, Sekhon N, Han JY, David EH. Stabilizing and Managing Patients with Altered Mental Status and Delirium. Emergency medicine clinics of North America. 33(4):753-64. 2015. PMID:26493521

Huff JS. Altered Mental Status and Coma. In: Tintinalli JE et al eds. Tintinalli’s Emergency Medicine: A Comprehensive Study Guide, 7e. New York, NY: McGraw-Hill; 2011.

Huff JS, Stevens RD, Weingart SD, Smith WS. Emergency neurological life support: approach to the patient with coma. Neurocritical care. 17 Suppl 1:S54-9. 2012. PMID: 22932989

Stevens RD, Huff JS, Duckworth J, Papangelou A, Weingart SD, Smith WS. Emergency neurological life support: intracranial hypertension and herniation. Neurocritical care. 17 Suppl 1:S60-5. 2012. PMID: 22936079

Clinical policy for the initial approach to patients presenting with altered mental status. Annals of emergency medicine. 33(2):251-81. 1999. PMID: 14765552

Kelly MA. Chapter 8. Neurology Emergencies. In: Cameron P et al, eds. Textbook of Adult Emergency Medicine, 4e. Philadelphia: Elsevier Saunders; 2015.

 

Autor: Justin Morgenstern – Emergencista e Editor do First10EM – Toronto, Canadá

Tradutor: Lucas Oliveira Junqueira e Silva – Estudante de Medicina (UFRGS) e Embaixador Nacional da ISAEM para o Brasil

Revisor: Henrique Puls – Estudante de Medicina (UFCSPA) e Vice-Presidente da ISAEM