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Pacientes terminais são uma população comum na Emergência, principalmente nos grandes hospitais universitários. Esses pacientes trazem diversos desafios para o Emergencista, visto que nesses casos o objetivo final do atendimento muda para o alívio imediato de sintomas graves que os pacientes apresentam. Por isso, traduzimos esse post do First10EM feito por Justin Morgenstern, MD, Emergencista de Toronto, Canadá.

Caso

Uma idosa de 87 anos com câncer de mama metastático e DPOC grave é trazida à Emergência por sua filha, que refere falta de ar com piora progressiva que ela não conseguiu manejar em casa. Sua família notou piora global no último mês, de tal forma que ela raramente sai da cama. A paciente é acompanhada pelo Serviço de Cuidados Paliativos e assinou documentação indicando o seu desejo de não receber nenhum tratamento agressivo que prolongue sua vida. A filha está bastante nervosa sobre a necessidade de trazer sua mãe ao serviço de Emergência, porque a paciente precisou ser intubada no passado e deixou claro que não gostaria de passar por isso outra vez. Infelizmente, apesar de seguirem os planos da equipe de cuidados paliativos, foi impossível controlar a dispneia em casa.

 

Minha abordagem

Local de atendimento: Penso que um quarto privado é essencial para qualquer paciente que esteja no fim da vida. Como esses pacientes não precisam de uma cama com monitorização, eles são frequentemente alocados no fim do corredor, longe do posto de Enfermagem. Embora esses quartos tenham o benefício de serem quietos, eles estão acomodando outros pacientes, sob o cuidado de um mesmo enfermeiro, o qual, geralmente, não tem tais leitos como prioridade no atendimento. No entanto, um paciente que está prestes a morrer requer cuidado de alto nível, com frequentes reavaliações. Acredito que eles sejam tratados com melhor qualidade em quartos de reanimação, com uma maior disponibilidade de enfermeiros. 

Chame por ajuda: O fim da vida é um momento de estresse extremo para os pacientes e seus familiares. Assistentes sociais e representantes religiosos são muito úteis. Se possível, uma equipe de Cuidados Paliativos é imprescindível.

Identificar rapidamente os objetivos do atendimento: O que o paciente deseja fazer nesse momento? Se o paciente não consegue se comunicar, houve discussão prévia sobre seus desejos com a sua família? Qual é o seu nível atual de atividade em casa e o quanto isso mudou no último mês? Que tipo de pessoa ela era quando era saudável?

Existem duas grandes categorias de pacientes em cuidados paliativos: 1) pacientes com prognóstico de horas a dias, os quais o único objetivo é o conforto e 2) pacientes com prognóstico de semanas ou mais, cuja prioridade também é conforto, mas que gostariam de tratamentos para problemas facilmente reversíveis. Testes diagnósticos geralmente não são feitos para o primeiro grupo, mas podem ser apropriados para o segundo.

A reanimação paliativa: Ao invés de sistematicamente e rapidamente diagnosticar e tratar patologias, a reanimação paliativa foca na identificação rápida e no tratamento dos sintomas. O primeiro passo é tornar o quarto o mais confortável possível. Convide familiares e amigos a ocupar o entorno da cama e encontre cadeiras para eles. Desligue os monitores. Tranquilize a todos e assegure que a equipe fará tudo para o conforto do paciente. Depois pergunte sobre os sintomas. Mesmo se dispneia seja a queixa principal, dor, náusea e ansiedade também podem estar presentes. Por ora, vamos focar somente no manejo da dispneia.

Posicionamento do paciente: Permita ao paciente estar em qualquer posição que ele queira, porém a cabeceira elevada tem um resultado melhor. A maioria desses pacientes optarão por ficarem sentados.

Oxigênio: Em pacientes com DPOC sob cuidados paliativos cuja doença não seja crítica, foi demonstrado que oxigenoterapia aumenta a qualidade de vida e a taxa de sobrevivência. Entretanto, em ensaios clínicos com pacientes paliativos não-hipoxêmicos, oxigênio não está associado com qualquer diminuição da dispneia. Não está claro como isso se traduz para o paciente com dispneia aguda no Serviço de Emergência. Infelizmente, os pacientes acham desconfortáveis muitos dos aparelhos de oferta de oxigênio usados. Eu frequentemente ofereço oxigênio para pacientes que apresentam o perfil discutido nesse texto, mas reconheço a necessidade de balanço entre o alívio potencial da hipóxia e o desconforto de uma máscara. Reavaliação frequente e interrupção de terapias ineficazes são fundamentais.

Oxigênio nasal umidificado com alto fluxo: Eu definitivamente vejo potencial na oferta de oxigênio nasal umidifaco com alto fluxo nesse tipo de situação. Estes dispositivos podem proporcionar grande fluxo de oxigênio, mas também parecem ser mais tolerados pelos pacientes, quando comparados às tradicionais máscaras. De fato, apesar da falta de evidências, fluxo de oxigênio nasal umidificado é a minha aposta para esses pacientes. A principal desvantagem é que esses aparelhos demandam internação em UTI em vários hospitais. Isso é irrelevante se o paciente vai morrer em breve, mas pode causar problemas para os pacientes que necessitam de internação. O senso comum manda que a internação na UTI deve ser ignorada para pacientes em cuidados paliativos – mas cada um deve lutar por isso individualmente com os administradores de seus serviços.

Opioides:

Opióides são a chave para aliviar a dispneia

  • Pacientes sob cuidados paliativos muitas vezes apresentam insuficiência renal; assim, evitar opióides com metabólitos ativos é razoável. Na Emergência, isso geralmente significa usar hidromorfona ou fentanil (eu geralmente opto pela hidromorfona, pois o fentanil apresenta uma meia-vida curta).
  • Há um debate sobre a melhor forma de oferecer tais opióides.  Para um paciente com dor aguda, eu acredito que o valor da titulação rápida e repetir a dose por via intravenosa (IV) supera o desconforto sentido pelo paciente durante a colocação do acesso IV. Entretanto, as vias oral, nasal ou subcutânea também são aceitas.
  • Não há uma dose única apropriada para os opióides. Pacientes paliativos precisam de “tratamento agressivo”, além de frequente reavaliação durante as primeiras horas na Emergência, a fim de ter sua medicação ajustada. Iniciar o tratamento com uma dose baixa é aceitável, porém esses pacientes estão severamente doentes e necessitam de rápidas reavaliações.
    • Por exemplo, hidromorfona 0,2-0,5 mg IV a cada 4 ou 5 minutos até, dobrando a dose caso não haja alivio efetivo da dispneia após a administração de duas doses.
  • Apesar do medo de muitas pessoas, opioides provavelmente não encurtam a vida dos pacientes paliativos. (consulte Portenoy, 2006, e Bengoechea, 2010, nas referências)

Ansiolíticos: Se os opioides não estão surtindo efeito, provavelmente você não está os administrando o suficiente. Além disso, depressão e ansiedade são componentes comuns no processo de morrer, então é razoável adicionar uma pequena dose de benzodiazepínicos para alguns pacientes.

Terapia não-farmacológica: A terapia não-farmacológica mais importante nesses casos é a presença de amigos e famílias. Para muitas pessoas, a presença familiar é essencial para a concepção de “boa morte”. Porém, eu frequentemente encorajo as famílias a fazerem mais do que simplesmente estarem presentes. Ao falar e interagir com os pacientes, as famílias muitas vezes oferecem importante distração para os sintomas angustiantes.

A dispneia é frequentemente aliviada quando se direciona um ventilador para o rosto do paciente, ou abrindo a janela do leito, caso seja possível.

Ventilação não-invasiva (VNI): Não há estudos que explorem o uso de VNI somente para conforto. O seu valor em cuidados paliativos é exaustivamente discutido. Penso que há dois usos do VNI que devem ser considerados: puramente paliativo e paliativo mas possivelmente curativo. A abordagem puramente paliativa por VNI é simples: oferecemos VNI para o paciente, com o único objetivo de melhorar o conforto; há constante reavaliação e, se nesse contexto não houver melhora, o tratamento é interrompido. O uso paliativo, mas com possibilidade curativa da VNI é o que deixa as pessoas confusas. DPOC terminal é uma condição marcada por declínio progressivo, porém pode haver exacerbações agudas, a partir das quais o paciente pode retornar a sua condição inicial. Nos minutos iniciais dentro da Emergência, muitas vezes é impossível determinar se um paciente está em processo de morrer ou se ele apresenta uma exacerbação recuperável. O uso de VNI nesse cenário serve tanto para o tratamento paliativo quanto para conseguir tempo, caso o paciente melhore. O equilíbrio entre o uso continuado de VNI buscando melhoria ou sendo usada para conforto é bastante complexo. Nesses casos é essencial determinar metas e definir prazos para a reavaliação. Os benefícios potenciais da VNI devem ser contrapostos com o possível prolongamento do processo de morrer.

Direcionando secreções e o “estridor da morte”: Quando os pacientes perdem a consciência, a capacidade de engolir secreções orais fica comprometida e elas podem se acumular na cavidade oral, causando ruídos. Não existe evidências de que o som é incômodo para o paciente, mas os familiares podem ficar bastante angustiados com o barulho. Esse problema pode ser solucionado posicionando bem o paciente ou administrando medicação, como glicopirrolato (0,2mg IV ou subcutânea).

 

Nota: para alguns pacientes, a busca por um tratamento e por causas potencialmente reversíveis pode ser benéfico.

Causas reversíveis Possíveis tratamentos
Derrame pleural Toracocentese
Anemia Transfusão
Obstrução de via aérea (massa) Esteroides, radiação paliativa de urgência
Tromboembolismo Pulmonar (TEP) Anticoagulantes (não está claro se isso ajuda ou não nos sintomas)
Pneumonia Antibioticoterapia
Estado hipervolêmico Diurese, CPAP
Broncoespasmo Broncodilatador, esteroides

 

Referências

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Portenoy RK, Sibirceva U, Smout R. Opioid use and survival at the end of life: a survey of a hospice population. Journal of pain and symptom management. 32(6):532-40. 2006. PMID:17157755

Bengoechea I, Gutiérrez SG, Vrotsou K, Onaindia MJ, Lopez JM. Opioid use at the end of life and survival in a Hospital at Home unit. Journal of palliative medicine. 13(9):1079-83. 2010. PMID:20799903

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Mularski RA, Reinke LF, Carrieri-Kohlman V. An official American Thoracic Society workshop report: assessment and palliative management of dyspnea crisis. Annals of the American Thoracic Society. 10(5):S98-106. 2013. PMID: 24161068 [free full text]

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Texto Original: Justin Morgenstern em First10EM

Tradução: Raphael Sales

Revisão: Henrique Puls