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Casos de afogamento tem uma alta neste período do ano e estão entre as principais causas de mortalidade infantil. Por exemplo, afogamentos representam a maior causa de mortalidade entre meninos de 5-14 anos e no cenário global os números chegam a alcançar os 500,000 casos anuais.¹ Lesões por hipóxia e consequente falha respiratória são os motivos primários de morbimortalidade nesses casos. Mesmo que o socorrista tenha ciência de que há um possível trauma (por exemplo, cervical) durante o atendimento de uma vítima de afogamento, menos de 0,5% dos casos irão possuir este.² O tempo de imersão, o volume aspirado de líquido e a temperatura da água são fatores determinantes na evolução do caso.¹ Nós analisamos a apresentação, a fisiopatologia e o manuseio de casos de afogamento visando aumentar a atenção para este importante problema de saúde pública.

O que é afogamento? O que acontece durante um afogamento?

O CDC (Centro de Controle e Prevenção de Doenças norte americano), a AHA (Associação Americana do Coração) e diversas outras entidades globais definem afogamento como “um processo que resulta na deterioração primária da respiração devido a submersão ou a imersão em um meio líquido”.³ Durante o afogamento, pequenas quantidades de líquido causam laringoespasmos que levam a hipóxia e a consequente perda de consciência, seguidas de falha respiratória e uma parada cardíaca. De forma concomitante, ocorre a aspiração de pequenos volumes de liquido que não obstruem inteiramente as vias aéreas mas causam mudanças químicas no meio. Quando seguindo o algoritmo preconizado pelo ACLS, a ressuscitação após um afogamento deve trabalhar primariamente visando restaurar a parada respiratória ao mesmo tempo em que se combate a hipotermia.

Como as vítimas de afogamento se apresentam?

Apesar de alguns pacientes cursarem com sintomas mínimos, outros podem apresentar casos de amnesia sobre o ocorrido, hipotermia e, em casos mais graves, parada cardíaca.4 É de extrema importância o relato das testemunhas do afogamento, no entanto, na maioria dos casos não há ninguém presente no local e os pacientes não recordam-se dos detalhes do ocorrido.¹

Em casos envolvendo um curto episódio de submersão ou de pouco volume aspirado, os sintomas podem ser suaves incluindo tosses, respirações curtas, náuseas e vômitos. Todavia, em eventos de submersão prolongada o paciente pode cursar com hipotermia, alteração do nível de consciência, hipóxia e lesões neurológicas. Alteração do estado mental pode ser secundária a hipotermia, hipóxia ou trauma de crânio. Vítimas de afogamento com rebaixamento na Escala de Coma de Glasgow, ao serem recebidos na unidade de emergência, possuem maior risco de parada cardíaca e possuem um prognostico neurológico reservado.5 Nos casos de afogamento, a parada cardíaca é tipicamente derivada da hipóxia ou da acidose, tendo em mente que na maioria dos casos não há a presença de água suficiente para se alterar o balanço hidroeletrolítico.6

Prioridades na Avaliação

Pacientes não identificados originários de áreas com acesso a água devem ser avaliados como possíveis vítimas de afogamento. As vias aéreas destes devem estar sempre pérvias e permitindo a respiração adequada. A ausculta pulmonar deve ser realizada em busca de estridores. A verificação da Escala de Coma de Glasgow, da temperatura corporal retal, da glicemia e uma rápida busca por traumas também devem ser incluídas na avaliação inicial do paciente.

Determinação do prognóstico em casos de afogamento

É difícil conseguir conjecturar o desenvolver de um caso de afogamento. Um sistema de escores, chamado de Classificação de Afogamento de Szpliman (SDC, em inglês), separa as vítimas em 6 grupos, que variam desde pacientes com exame pulmonar fisiológico com tosse até pacientes em parada cardíaca.7

De forma concomitante a altos escores na escala de Szpliman, outros preditivos de um prognostico negativo incluem:8

  • Tempo de submersão prolongado;
  • Alteração do nível de consciência;
  • Acidemia severa;
  • Elevação nas enzimas hepáticas

A composição da água inalada importa? A manobra de Heimlich deve ser aplicada?

Para as duas perguntas, não. Ambas são equívocos. O volume, em detrimento da composição, determina o acometimento pulmonar. Água inalada causa perda de surfactante, o colapso alveolar, edema não cardiogênico, shunt intrapulmonar e a quebra da proporção entre ventilação/perfusão.9 Geralmente, pacientes necessitam imediatamente de ventilação sob pressão positiva com alta FiO2. Ao contrário do que se prega popularmente, a manobra de Heimlich é contraindicada, já que há altas possibilidades de regurgitação seguido de aspiração do liquido.

Porque a temperatura do paciente é mais importante que a temperatura da água?

Pacientes que sofrem um evento de afogamento tendem a se tornar hipotérmicos mesmo em água quente. Existe uma outra concepção popular errônea de que afogamento em águas frias está associado com prognósticos otimistas. Em um estudo retrospectivo de caso-controle com 1.094 vítimas de afogamento foi atestado que a água fria não tinha um efeito protetor contra a morte, sequelas neurológicas graves ou estado vegetativo persistente. A duração do tempo submerso mostrou-se como o principal fator preditor de desfecho10

Pacientes com temperatura corporal entre 28 e 32°C necessitam de reaquecimento ativo. Algumas abordagens podem incluir ar forçado, calor radiante e compressas quentes. Em pacientes instáveis a temperatura que se almeja são os 34°C. A equipe de saúde também deve levar em consideração métodos de aquecimento invasivos, como:

  • Fluídos intravenosos aquecidos;
  • Lavagem peritoneal;
  • Lavagem da bexiga;
  • Lavagem intratoráxica.

Qual é o papel do Suporte Respiratório Extracorpóreo na ressuscitação de vítimas de afogamento?

Apesar de nem todos os pacientes serem aptos a esse tipo de abordagem, a oxigenação via membrana extracorpórea (ECMO) pode ser um método de temporização para se mitigar as complicações derivadas da hipóxia e da hipotermia ocasionadas pelo afogamento. Em pacientes pediátricos anteriormente saudáveis, é teorizado que o suporte de vida extracorpóreo pode prover o suporte respiratório e circulatório necessário até que o edema e a inflamação pulmonar possam melhorar. Entretanto, relatos de caso são a maioria dos dados disponíveis sobre a evolução dos pacientes vítimas de afogamentos que foram submetidos a essa abordagem. Um estudo retrospectivo recente de 247 pacientes que foram submetidos ao suporte extracorpóreo de vida após um caso de afogamento sugere uma taxa de sobrevivência de 23.4% nas vítimas em estado de parada cardíaca quando sujeitado a esta técnica.11

E sobre o “afogamento seco”?

A linguagem confusa utilizada por jornais e pela mídia de forma geral formou um equivocado medo de complicações mesmo semanas após a exposição à água. Os termos “afogamento seco”, ou “afogamento secundário” e “quase afogamento” são utilizados para descrever uma variedade de eventos, ainda que estas terminologias não sejam aceitas no meio médico.12

Em um caso especifico, um garoto de 4 anos veio a falecer uma semana depois de nadar em águas rasas. A mídia inicialmente reportou seu óbito como “afogamento seco”. Entretanto, a autópsia mostrou que ele havia morrido por miocardite, e não por complicações devido ao evento envolvendo água. Os efeitos de um afogamento ocorrem de forma aguda, e sua deterioração se dá no decorrer de horas, não de dias ou semanas. 13 Então, é importante conscientizar pacientes e suas famílias quando existe a avaliação de um possível caso de afogamento ou hajam suspeitas de “afogamento seco”.

Quais são os pontos chave para se manter em mente durante uma ressuscitação após um afogamento?

Afogamentos podem cursar com falhas respiratórias severas bem como com hipotermia. As considerações chave para a ressuscitação são:

  • 1- Ventilação sob pressão positiva;
  • 2- Reaquecimento ativo até atingir os 34°C;
  • 3- Possivelmente fazer uso do Suporte de Vida Extracorpóreo.

Texto Original: ALiEM

Tradução: Victor Mesquita

Autor: Evan Kuhl, Natalie Sullivan, David Yamane

Revisado por: Arthur Martins


Referências:
1.Salomez F, Vincent J. Drowning: a review of epidemiology, pathophysiology, treatment and prevention. Resuscitation. 2004;63(3):261-268. [PubMed]

2.Caglar D, Quan L. Drowning and Submersion Injury. In: M. Kliegman R, Stanton B, St. Geme J, Felice Schor N, E. Behrman R, eds. Nelson Textbook of Pediatrics. 20th ed. Philadelphia, PA: Elsevier Health Sciences; 2015:3464.

3.Idris A, Berg R, Bierens J, et al. Recommended guidelines for uniform reporting of data from drowning: the “Utstein style”. Circulation. 2003;108(20):2565-2574. [PubMed]

4.Cico SJ, Quan L. Drowning. In: M. Cline D, O. Ma J, D. Meckler G, E. Tintinalli J, J. Stapczynski S, Yealy D, eds. Tintinalli’s Emergency Medicine: A Comprehensive Study Guide, 8th Edition. 8th ed. New York, NY: McGraw-Hill Education / Medical; 2015:2043.

5.Garner A, Barker C, Weatherall A. Retrospective evaluation of prehospital triage, presentation, interventions and outcome in paediatric drowning managed by a physician staffed helicopter emergency medical service. Scand J Trauma Resusc Emerg Med. 2015;23:92. [PubMed]

6.Orlowski J, Szpilman D. Drowning. Rescue, resuscitation, and reanimation. Pediatr Clin North Am. 2001;48(3):627-646. [PubMed]

7.Szpilman D. Near-drowning and drowning classification: a proposal to stratify mortality based on the analysis of 1,831 cases. Chest. 1997;112(3):660-665. [PubMed]

8.Son K, Hwang S, Choi H. Clinical features and prognostic factors in drowning children: a regional experience. Korean J Pediatr. 2016;59(5):212-217. [PubMed]

9.Szpilman D, Bierens J, Handley A, Orlowski J. Drowning. N Engl J Med. 2012;366(22):2102-2110. [PubMed]

10.Quan L, Mack C, Schiff M. Association of water temperature and submersion duration and drowning outcome. Resuscitation. 2014;85(6):790-794. [PubMed]

11.Burke C, Chan T, Brogan T, et al. Extracorporeal life support for victims of drowning. Resuscitation. 2016;104:19-23. [PubMed]

12.Hawkins S, Sempsrott J, Schmidt A. News: ‘Drowning’ in a Sea of Misinformation. Emergency Medicine News. https://journals.lww.com/em-news/Fulltext/2017/08000/News___Drowning__in_a_Sea_of_Misinformation.3.aspx. Published August 2017. Accessed August 28, 2018.

13.Schmidt A, Sempsrott J, Hawkins S. Special Report: The Myth of Dry Drowning Remains at Large. Emergency Medicine News. 2018;40(6):1,22-22. https://journals.lww.com/em-news/Fulltext/2018/06000/Special_Report__The_Myth_of_Dry_Drowning_Remains.3.aspx. Accessed August 28, 2018.